São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Uso político do BB provoca rombo

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As dívidas atrasadas do governo junto ao Banco do Brasil reconhecidas pelo Tesouro já somam R$ 2,4 bilhões.
O número não inclui os R$ 5,5 bilhões em títulos da dívida externa brasileira, de pouca rentabilidade, em poder do banco. Nem os calotes dos produtores rurais, estimados em R$ 9,2 bilhões.
Essa dívida provém, em grande parte, do uso político do BB. Relatórios produzidos em 95 mostram como o banco, nas três últimas décadas, perdeu dinheiro em ações governamentais como o Proálcool (anos 80), o Programa Nacional do Leite (anos 80 e 90) ou a construção da Linha Vermelha, no Rio (91).
O governo ainda atirou seu maior banco em operações no mínimo heterodoxas. O BB pagou, por exemplo, as dívidas do extinto Território de Rondônia e a confecção de formulários do Imposto de Renda de 90 a 93.
O atual governo iniciou os pagamentos das dívidas atrasadas -com títulos. Ou seja, o BB continua sem ver a cor do dinheiro.
Calotes
Mas os relatórios, feitos por técnicos do Tesouro Nacional e do BB, servem para traduzir em exemplos concretos as suspeitas generalizadas sobre a gestão temerária dos bancos públicos.
Agindo em nome do Tesouro Nacional na década de 80, o BB pagou dívidas do governo no exterior, de empresas e bancos estatais e do extinto Território de Rondônia. O resultado foi um prejuízo hoje calculado em R$ 79 milhões.
Entre as empresas cujos "papagaios" foram honrados pelo BB estão as extintas Siderbrás, Sunamam e BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativos). Foram liquidadas na reforma do Plano Collor e o BB ficou com o buraco.
Dois anos antes, em 88, o BB fora usado em um programa de "saneamento" da Siderbrás. Adiantou dinheiro ao governo federal e só agora, oito anos depois, receberá R$ 254,6 milhões -em títulos.
A Sunamam também tem uma história à parte nos calotes. Avalizou, em 81, empréstimos aos estaleiros CCN e Emaq, feitos pelo BB segundo determinação federal. Ninguém pagou e o BB perdeu R$ 231,4 milhões.
Usineiros
Os prejuízos do BB com o incentivo federal à produção de álcool merecem um capítulo especial nos relatórios, mesmo excluindo o calote de R$ 4 bilhões dos usineiros.
O antigo IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) legou ao BB dívidas atrasadas de R$ 135,7 milhões.
Nessa conta, a operação mais antiga data de 73, quando o BB emprestou US$ 9 milhões à Cooperflu (Cooperativa Fluminense dos Produtores de Açúcar e Álcool), com prazo de seis anos.
Mesmo atrasando sempre, a Cooperflu pagou até 78. Depois que cessaram os pagamentos, o IAA, avalista da operação, não depositou um centavo no BB.
Os juros e multas aplicados sobre a dívida resultaram em uma conta três vezes maior que o empréstimo original: R$ 27,7 milhões.
Os registros das dívidas dos usineiros garantidas pelo IAA estão em total desordem, como aponta um dos relatórios encaminhados ao Ministério da Fazenda.
Isso significa, na prática, que o Tesouro -agora encarregado de cobrar as dívidas- "terá um grau maior de dificuldade para exercer o seu direito contra os devedores".
Safras
O papel de principal financiador agrícola do país -responde por 80% do crédito- rende ao BB calotes não só dos produtores rurais, mas do próprio governo federal.
Isso aconteceu nas safras agrícolas de 91/92 e 92/93, período em que o governo Collor decidiu reforçar os incentivos à agricultura.
Definiu-se que o BB emprestaria aos agricultores a juros abaixo do mercado. O Tesouro cobriria a diferença de taxas. A segunda parte do trato não aconteceu. O prejuízo (R$ 393,4 milhões) foi dos poucos a serem pagos em dinheiro pelo atual governo.

LEIA MAIS sobre o BB à pág. 2-6

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