São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Sem reformas, Real pode 'morrer na praia', diz Musa

Presidente da Rhodia crítica lentidão no Congresso Nacional

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

A demora do processo político na resolução das reformas constitucionais coloca em risco o Plano Real e a inserção do país na economia internacional.
A opinião é de Edson Vaz Musa, 58, presidente da Rhodia, maior indústria químico-farmacêutica da América do Sul, subsidiária brasileira do grupo empresarial francês Rhône-Poulenc.
Em entrevista à Folha, Musa disse que o fisiologismo do Congresso na questão das reformas que objetivam, em última análise, a redução do chamado "custo Brasil" pode levar o programa de estabilização a "morrer na praia".
Após 35 anos na Rhodia, onde ingressou como "trainee", os últimos 13 dos quais na presidência da principal empresa industrial francesa no Brasil, Musa se aposenta no dia 31 de dezembro deste ano.
Antes disso, ele mesmo anunciará, no segundo semestre, seu sucessor. "É uma transição normal, tranquila, será um nome da casa, se possível, sem nenhum traumatismo", disse.
A seguir os principais trechos da entrevista.
*
Folha - Como o sr. avalia a situação macroeconômica do país?
Edson Vaz Musa - O Brasil está fazendo duas coisas absolutamente indispensáveis: o controle da inflação e a inserção na economia internacional.
O controle da inflação é um fator moral. Uma inflação de 40% ao mês é imoral, provoca corrupção, descontrole e excesso de custos.
Folha - E com relação à inserção do país na economia internacional?
Musa - Esse é o segundo ponto fundamental. O Brasil tem de estar integrado nesse processo de globalização da economia. No mundo de hoje, nenhum país pode manter as fronteiras fechadas.
Folha - Dentro desse contexto da globalização, como o sr. avalia a questão do "custo Brasil"?
Musa - É realmente um problema que vamos ter que resolver rapidamente. Não adianta nada o país resolver o problema da inflação, se inserir na economia internacional e morrer na praia.
É importante resolver o "custo Brasil" e para isso vamos ter que trabalhar na reforma tributária, na reforma do Estado e da relação entre capital e trabalho. E a taxa de juros vai ter que ser mais decente.
Folha - Há condições políticas, em ano de eleições municipais, para o governo federal conseguir essas reformas e levar a cabo um ajuste fiscal forte e duradouro?
Musa - É uma questão fundamental. O ajuste fiscal é indispensável para que o controle da inflação não seja efêmero.
Uma taxa de inflação entre 12% e 15% por ano ainda é altíssima. E, se não fizermos as reformas, vamos ter problemas inflacionários em menos de dois anos.
Folha - O que o irrita mais como empresário hoje em dia?
Musa - Diria que o que me impede de dormir é essa situação do Congresso. A situação política, a demora que pode existir na resolução dessas reformas. Esse processo pode se alongar demais e realmente colocar em risco o plano de estabilização.
Folha - E a questão da educação, tão vital para a melhoria da qualidade da mão-de-obra?
Musa - Esse é outro aspecto que me irrita. Apesar do que se vê que o ministro Paulo Renato Souza está fazendo, começo a perder um pouco a paciência.
Não adianta derrubar a inflação, competir nos mercados externos, se não tivermos uma população suficientemente educada, até mesmo para saber exigir do Congresso um comportamento diferente.
Folha - As dificuldades para as reformas são, então, resultado da falta de pressão da sociedade?
Musa - Acho que é preciso que a sociedade atue mais politicamente. Grupos minoritários vão a Brasília, acampam diante do Congresso com meia dúzia de pessoas e fazem os políticos tremer. Se a maioria a favor das reformas não fizer pressão, o país vai ser escravo das minorias, porque elas se mobilizam para defender seus interesses.
Folha - A sociedade tem de "acampar" na frente do Congresso para ter as reformas estruturais?
Musa - É preciso maior participação, porque as reformas que mexem com privilégios são, no regime democrático, mais difíceis, sobretudo num regime democrático que não é adulto.
O regime democrático do Brasil ainda está na puberdade. Temos ainda no Brasil um fisiologismo muito grande.
Folha - Como o sr. analisa a questão do emprego no país?
Musa - É um gravíssimo problema no mundo. No Brasil, ainda não alcançou a amplitude que assumiu em outros lugares, mas está chegando lá e vai ser um problema político de grande atualidade já nas próximas eleições.
Folha - O que pode ser feito para impedir o agravamento do desemprego no país?
Musa - Cuidados na abertura econômica. Sou favorável à abertura, mas devemos analisar outro aspecto que é a indústria brasileira. Não podemos nesse processo de inserção na economia mundial destruir a indústria brasileira.

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