São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Carnaval e Quaresma

OSIRIS LOPES FILHO

O governo federal, carente de sentimentos religiosos, atravessa a quaresma sem penitências. Segue no seu oba-oba carnavalesco, com o pálido bloco das reformas, trôpego e desorientado nas vielas e grotões da República, com paradas sem virilidade em casas de tolerância e em avidez descontrolada em antros de jogatina.
Vai empurrando com a barriga o que pode. Alimenta vegetativamente os que se animam a prosseguir no cortejo. Procura-se atender ao estômago e intestino dos aderentes.
A fase imperial já era. Seu brilho e esplendor estão num porta-estandarte roto, que já representou a mudança de que o país necessita, substituídos pelo opróbrio da proteção abusiva ao Nacional.
Busca-se a escuridão com a mortalha atirada sobre as fraudes do Nacional. A dúvida vai virando certeza de comprometimento de figuras do Planalto e da direção do Banco Central com os desmandos e irregularidades praticados.
O magnetismo se foi. Impregnada pela globalização, a bússola, desorientada, testemunha a perda do rumo do desenvolvimento nacional, da moralidade, da justiça social e do bem-estar do povo.
O financiamento do bloco começa a claudicar. A arrecadação tributária definha gradativamente. Em 95, conseguiu-se a maior arrecadação da história. Cerca de R$ 84 bilhões. Mas sinais inquietantes já existiam.
Referido ao PIB, o crescimento da arrecadação de 94 para 95 foi discretíssimo: de 12,5% para 12,7%. E houve um fato insólito na história da Receita. Em 95, a arrecadação do segundo semestre foi inferior à do primeiro.
A sinalização era de estagnação. Virou queda. A arrecadação de janeiro e fevereiro de 96 foi cerca de 10% menor que a de igual período de 95.
A morte anunciada do IPI, na proposta de reforma tributária, vai induzindo os resistentes ao pagamento do imposto a pagar menos, pelo raciocínio de que o óbito produz o esquecimento e extingue a memória fiscalizadora.
Uma alta autoridade, ao explicar a queda da arrecadação, disse que o ciclo do processo de crescimento econômico a se refletir na arrecadação já havia alcançado o pico. Começaria a trajetória ladeira abaixo.
Ora, no país campeão da sonegação, é sempre possível, ao combatê-la com competência, fazer crescer a arrecadação.
É a política mais justa. É isso o que se espera da administração tributária. Há muita sonegação que pode se transformar em arrecadação. Basta ter coragem, decisão e competência.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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