São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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As contas do governo em 1995

ANA TERESA ALBUQUERQUE; FÁBIO GIAMBIAGI

ANA TERESA ALBUQUERQUE
FÁBIO GIAMBIAGI
A situação das finanças públicas deteriorou-se bastante em 1995 (ver tabela). O fato contraria o otimismo -e induz a uma autocrítica- daqueles que tinham visto nos bons resultados fiscais de 1990/1994 um sinal de que a crise fiscal iniciada nos 80 estava supostamente a caminho de ser superada (como, por exemplo, no artigo de Fábio Giambiagi, publicado na Folha de 22/06/95). Neste artigo, iremos nos limitar a analisar as contas do governo central (incluindo BC e Previdência).
No ano de 1995, o governo federal abandonou a sua posição prévia fortemente superavitária em termos primários, no pressuposto de que o peso dos juros seria similar ao de 1994, o que permitiria encerrar o ano em equilíbrio. Na medida, porém, em que a conta de juros foi maior e o superávit primário menor do que o previsto, este obteve um déficit operacional de 1,7% do PIB.
Os fatos mais importantes retratados pela tabela são os seguintes:
a) a piora do resultado primário explica mais de 75% do aumento do déficit;
b) se a despesa de juros tivesse permanecido no mesmo nível de 1994, o governo central continuaria tendo déficit, que, porém, cairia para 1,0% do PIB;
c) a redução do superávit primário, que o governo inicialmente esperava que se desse mediante o aumento das "outras despesas", ocorreu devido ao aumento dos gastos com benefícios previdenciários (pelo incremento real do salário mínimo), com os inativos do governo (pela aposentadoria de um maior contingente de funcionários) e com as transferências constitucionais a Estados e municípios (pelo aumento da receita);
d) as "outras despesas" -praticamente as únicas sobre as quais o governo tem controle no curto prazo, dados o reajuste do funcionalismo, o valor do salário mínimo que afeta a despesa previdenciária e a receita que determina as transferências vinculadas- tiveram um incremento ínfimo, de 0,1% do PIB;
e) a mudança dos "Erros e omissões" -diferença entre os resultados apurados "acima da linha" e a variação do endividamento público "abaixo da linha"- explica 1,2% do PIB da piora da situação do governo em 1995, já que seu valor foi de 0,2% do PIB, enquanto que em 1994 essa rubrica jogou a favor do superávit com 1,0% do PIB.
Com base nesses números, é possível estabelecer as seguintes prescrições:
i) a postura do governo, de compensar o aumento do número de folhas a serem pagas neste ano -já que no ano passado deixaram de ser pagos 70% de uma folha-com a limitação do reajuste do funcionalismo, de modo a evitar um aumento do gasto com pessoal como proporção do PIB, é plenamente justificada;
ii) como uma limitação rígida do reajuste salarial é um expediente que não pode se repetir todos os anos, a necessidade de fazer cortes no contingente de funcionários públicos é algo que continua na ordem do dia;
iii) a mudança das regras de aposentadoria do funcionalismo é urgente, pois o gasto com inativos do governo já consome mais de 40% da sua despesa de pessoal, gerando uma situação socialmente iníqua e economicamente explosiva;
iv) é fundamental evitar que o salário mínimo tenha um incremento elevado em maio, sob pena de repetir em 1996 o salto da despesa previdenciária em 1995, o que comprometeria em forma dramática o resultado fiscal do governo;
v) como o aumento dos juros contribuiu para elevar a dívida -aumentando a base sobre a qual incidem os juros-, e como a acumulação de reservas encareceu o custo médio da mesma -pela maior importância da dívida interna em relação à externa-, do ponto de vista fiscal é aconselhável que em 1996 o crescimento do nível de reservas seja moderado e que a taxa de juros doméstica ceda substancialmente;
vi) em que pese a melhora observada nas estatísticas nos últimos dez anos, o país precisa ainda aperfeiçoar os seus dados fiscais, para evitar a ocorrência de fenômenos como a já citada dimensão da variável "Erros e omissões", em 1994.

Ana Teresa Albuquerque, 30, economista, é coordenadora de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Fábio Giambiagi, 33, é economista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Foi assessor do Ministério do Planejamento e Orçamento (governo Fernando Henrique Cardoso).

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