São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"In(ter)venções" urbanas

VALÉRIA CÁSSIA DOS SANTOS; ROBERTO NOVELLI FIALHO

VALÉRIA CÁSSIA DOS SANTOS e ROBERTO NOVELLI FIALHO
As águas de março deixaram mais uma vez a cidade de São Paulo atordoada. Todo ano os problemas antigos se repetem e novas regiões, antes nunca afetadas, começam a enfrentar complicações.
Todos os anos ouvimos governos "propagandearem" novas obras para resolvê-las. Mas o que acontece é que, na maioria das vezes, essas intervenções são feitas de forma irresponsável e mal planejada.
Intervenções no traçado urbano devem merecer atenção especial porque, se mal realizadas, não resolvem o problema-alvo e, o que é pior, criam novos problemas.
Obras viárias são importantes, imprescindíveis até, mas devem ser realizadas com critério. Quando é construído um novo viaduto ou é aberta uma grande avenida, é necessária a desapropriação de uma grande área envoltória: bairros são cortados ao meio, deixando a impressão de recorte, de sobra.
Um exemplo conhecido é o Minhocão: os edifícios da região passaram por uma transformação profunda. Na época, o tema foi abordado em uma novela, "O Espigão", inspirada na decadência de um desses prédios. Houve um encortiçamento muito grande. E até hoje a região se ressente dos efeitos de uma intervenção tão violenta.
As marginais também podem parecer boas soluções viárias, mas a que custo? Os rios sufocados transbordam cada vez com maior frequência e os dejetos do progresso estão começando a comprometer o abastecimento de água.
O recém-inaugurado viaduto da rua da Mooca também "recortou" um pedaço do bairro, que já enfrentava um processo de deterioração e que agora tende a aumentar.
Se a implantação de um viaduto é inevitável para uma solução viária, deve ser realizada conjuntamente com a implantação de um programa de reabilitação urbana.
Nossa cidade não pode virar um amontoado de vias expressas, viadutos, túneis e favelas que se formam ocupando os espaços que sobram ao redor dessas intervenções.
A escala do ser humano não mudou, e precisamos de espaços para circular e usufruir de uma existência urbana e comunitária que não se restrinjam aos passeios emparedados dos shopping centers.
Podemos citar como bom exemplo de planejamento a operação urbana do Anhangabaú, que devolveu aos cidadãos um de seus espaços públicos mais tradicionais.
Sem julgar a qualidade do projeto paisagístico, o importante dessa operação é seu efeito no traçado urbano. O vale que anteriormente havia cedido às pressões viárias ressurgiu como um lugar para manifestações públicas, shows e passagem de pedestres.
É um bom exemplo de que é possível reconciliar interesses viários com a criação de espaços de domínio público.
As obras viárias são de grande importância para uma grande metrópole, mas é preciso parar com a ideologia de que o importante é fazer. O importante é fazer bem feito e com responsabilidade, porque grandes intervenções urbanas afetam profundamente a cidade.
Voltar atrás e corrigir os erros cometidos é bem mais difícil, dispendioso e prejudicial do que realizar um bom planejamento.

Valéria Cássia dos Santos, 26, e Roberto Novelli Fialho, 32, são arquitetos e sócios-diretores da Nave Arquitetura e Serviços S/C Ltda..

Texto Anterior: Barra Shopping ganha monotrilho
Próximo Texto: Computador auxilia a pintura da casa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.