São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Os limites da obscenidade

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os aspectos da obscenidade ligados ao sexo e à permissividade no campo dos costumes dominaram a maior parte do debate da série "Diálogos Impertinentes", que reuniu no dia 27 de fevereiro o rabino Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, e o escritor e dramaturgo João Silvério Trevisan. O tema em pauta foi "O Obsceno".
O evento, realizado no teatro de Arena do Tuca, foi promovido pela Folha, PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e Sesc (Serviço Social do Comércio). Os "Diálogos Impertinentes" acontecem sempre na última terça-feira de cada mês. A mediação é feita pelo jornalista Caio Túlio Costa, diretor-executivo da Folha Online, e por Mário Sérgio Cortella, professor do Departamento de Teologia da PUC-SP.
Carnaval e Bíblia
As diferenças entre os debatedores ficaram nítidas desde o início do encontro. Provocado a falar sobre o que a seu ver seria mais obsceno, o Carnaval brasileiro ou trechos do "Cântico dos Cânticos" (que integra aquilo que os judeus chamam de Sagrada Escritura e os cristãos de Antigo Testamento), Henry Sobel foi enfático.
"O Carnaval é muito mais obsceno. Obsceno, de acordo com meu dicionário, é tudo o que fere o pudor. O 'Cântico dos Cânticos' não fere o pudor. É um longo poema de amor, é amor e sexo no mesmo contexto", disse o rabino.
Polarizando com Sobel, Trevisan defendeu que "o 'Cântico dos Cânticos' felizmente é obsceno e poético". E citou um trecho de improviso: "Amada, debaixo da tua língua existe leite e mel. Do meio dos teus seios escorre leite e eu quero provar. Teu corpo cheira a mirra". "Alguém vai me dizer que isso não fere o pudor. Mas feriu o pudor de muitos padres", argumentou Trevisan.
Mostrando-se sensível à fala do parceiro de debate, Sobel admitiu mais de uma vez a relatividade histórica do conceito de obscenidade. "Falo subjetivamente, e para mim obsceno é tudo aquilo que diminui a dignidade humana", disse.
A distância entre os debatedores voltou a se evidenciar no final do encontro, quando Trevisan atribuiu à moral judaico-cristã a responsabilidade pela idéia de culpa relacionada ao sexo.
Ao ser questionado sobre a circuncisão, um dos rituais mais fortes da tradição judaica, Sobel defendeu a prática. "A circuncisão não é apenas um ato higiênico. É profundamente religioso. Transcende o órgão sexual e indica o ingresso da criança no seio da comunidade judaica. Tem a ver com a perpetuação da herança moral da nossa fé", disse o rabino.
Razão em debate
A série "Diálogos Impertinentes" prossegue nesta terça-feira, a partir das 20h40, discutindo "A Razão". Estarão reunidos no teatro do Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Lapa) o músico e professor de literatura brasileira da USP, José Miguel Wisnik, e o professor do departamento de filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Gerd Bornheim.
O evento será transmitido ao vivo pela TV-PUC através das operadoras de TV a cabo NET e Multicanal. Os interessados em assistir o debate ao vivo devem obter informações a partir de amanhã pelo tel. 224-3473.

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