São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Para pesquisador, crise atinge inteligência artificial

JOÃO DE FERNANDES TEIXEIRA; JOSÉ LUIS SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BOSTON

A inteligência artificial (IA) e a ciência da cognição são disciplinas em crise. Diante de inúmeros impasses, elas procuram saídas para a realização de um mesmo desejo: a reprodução artificial do pensamento humano. É difícil prever o que vai acontecer, mas a construção de uma réplica do homem permanece no horizonte, como uma possibilidade viável a longo prazo.
Assim pensa o físico e professor de filosofia da Universidade de Pittsburgh (EUA) John Haugeland. "A IA é uma disciplina em busca de um paradigma", disse ele à Folha, por e-mail.
Ele é o organizador de uma antologia de artigos sobre IA, publicada em 1981, ainda hoje considerada leitura obrigatória: "Mind Design" (Projeto de Mente, MIT Press, 1981). Publicou também, em 1985, o livro "Artificial Intelligence - The Very Idea" (Inteligência Artificial - A Idéia Precisa, MIT Press). (João de Fernandes Teixeira)
Folha - O sr. criou um termo, "Gofai" (neologismo formado a partir das iniciais da expressão "good and old fashioned artificial intelligence" - a boa e velha inteligência artificial), para se referir à IA feita nos anos 60 e 70. O que é Gofai?
John Haugeland - Gofai é a pesquisa em IA desenvolvida de acordo com uma concepção específica do que é a inteligência e de como ela funciona. A idéia básica é que comportamentos inteligentes, em ambientes complexos, são possíveis na medida em que organismos ou sistemas são capazes de gerar informação e representações internas e, a partir delas, desenvolver pensamento e raciocínio.
As duas características essenciais de todos os sistemas do tipo Gofai são o conhecimento e o raciocínio. E ambos devem ser compreensíveis ao nível sintático e semântico. Construir sistemas com essas duas características essenciais, compreensíveis nesses dois níveis, constitui um grande desafio. Tornar esses sistemas fisicamente possíveis era a meta da IA.
Folha - Qual foi a importância histórica da Gofai?
Haugeland - A primeira coisa que precisa ser dita é que a Gofai não está morta. Há ainda muitos laboratórios, espalhados pelo mundo, conduzindo pesquisas no mesmo espírito da Gofai, embora não tenhamos nenhuma evidência de que este tipo de pesquisa terá o sucesso pretendido.
Houve uma mudança no que diz respeito às expectativas. Essa mudança deve-se a dois fatores. O primeiro é a incapacidade da Gofai de lidar com alguns problemas, como, por exemplo, o reconhecimento de padrões visuais, a simulação do "senso comum" e outros. O segundo foi o aparecimento de abordagens alternativas. Assim, o que temos hoje em dia é o que (o filósofo da ciência) Thomas Kuhn chamaria de uma disciplina em crise, uma disciplina em busca de um paradigma.
Folha - O que se pode esperar dessas abordagens alternativas?
Haugeland - Elas têm pressupostos básicos incompatíveis, mas são todas igualmente promissoras, o que torna qualquer escolha muito difícil. Nesse contexto, a importância histórica da Gofai reside em ter mostrado que computadores não são simplesmente máquinas lógicas e que podem fazer algo mais que cálculos matemáticos.
Outro aspecto positivo da Gofai foi o enriquecimento de nosso repertório e compreensão de vários aspectos na pesquisa em IA: o estudo de arquiteturas computacionais alternativas, o estudo de estruturas para a representação de dados complexos, técnicas sofisticadas para resolução de problemas etc. Além disto, é preciso não esquecer que, na área de sistemas especialistas, a Gofai obteve grande sucesso. Do lado negativo, houve também algumas lições a aprender. Talvez a mais importante tenha sido a compreensão de quanto a inteligência humana é integrada, e não compartimentada ou modular, como se sustentou por muito tempo.
Folha - Como o sr. vê o futuro da ciência cognitiva e da IA?
Haugeland - A IA é uma disciplina em crise. Não sabemos exatamente para onde ela se direciona. Fica difícil apostar em qual abordagem vai ou não ter sucesso. Mas não vejo nenhuma razão, em princípio, para supor que um dia não possamos construir uma réplica perfeita de um ser humano. Não sei se tal réplica será (ou seria) algo orgânico ou similar a um organismo humano. É difícil também fazer prognósticos sobre o possível hardware de tal criatura.

Colaborou José Luis Silva.

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