São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Ciência busca máquina para ler pensamentos

PETER THOMAS
DA "NEW SCIENTIST"

Num filme de suspense, Keanu Reeves faz o papel de um homem que tem uma memória digital embutida no cérebro. Usando uma neuroconexão na parte de trás de sua cabeça, o herói que dá nome ao filme, Johnny Mnemonic, pode se plugar a qualquer computador para armazenar ou transmitir de sua cabeça. Com esse reforço de memória, seu cérebro funciona como um disco rígido, e Johnny pode aproveitar essa capacidade para levar informações digitais sigilosas para qualquer lugar do mundo.
Enquanto você se ajeita na poltrona para se divertir com a visão hollywoodiana do futuro, pesquisadores trabalham de verdade para encontrar meios de conectar o cérebro diretamente a dispositivos digitais como computadores, bancos de dados e câmeras de video.
O objetivo deles é criar computadores controlados pelo pensamento que tornarão obsoletos os teclados, monitores e outras interfaces usadas hoje. Não está descartada a possibilidade de algum dia virmos a nos comunicar por redes digitais usando apenas o pensamento.
Mas, enquanto tudo isso é coisa para o futuro distante, a busca está se revelando positiva. Se pesquisadores conseguirem aperfeiçoar suas idéias, é possível que num prazo curto consigam ajudar deficientes físicos a usar ondas cerebrais para controlar processadores de texto e cadeiras de roda, ou treinar pilotos de aviões de combate, usando simuladores controlados por suas próprias mentes.
Mas os avanços se vêem limitados pelo pouco que sabemos do funcionamento do cérebro. Os pesquisadores que querem ligar o cérebro diretamente a dispositivos digitais -ou, em termos mais concretos, criar algum tipo de interface cérebro-máquina- se confrontam com um problema. Diferentemente do computador, o cérebro não depende de um fluxo de bits e bytes digitais. Conectar esses bits e bytes ao cérebro não será fácil.
Uma possibilidade é medir a atividade cerebral diurna e noturna. Essa comunicação incessante de bilhões de neurônios produz explosões de eletricidade que podem ser medidas fora do crânio através de um eletroencefalograma (EEG).
Interpretar esses sinais é difícil devido à complexidade das conexões entre neurônios e ao enorme volume dos sinais. Mas são eles que alguns esperam conseguir usar para controlar computadores.
Os neurocientistas já sabem que os padrões de atividade produzidos pelo cérebro dependem de seu estado. Quando relaxamos, por exemplo, nossos cérebros produzem sinais chamados ondas alfa. Quando estamos despertos e estimulados, produzimos ondas beta. Há outras frequências associadas ao sono ou à atividade intelectual.
Teoricamente, um computador que monitorasse esses sinais poderia ser programado para acender uma luz ou mover um cursor para a esquerda ao perceber uma mudança de ondas alfa para beta, por exemplo. Controlar o computador envolveria a tarefa relativamente simples de treinar nossa mente a relaxar ou ficar excitada.
Infelizmente um sistema tão simples seria limitado demais para funcionar como interface útil entre humanos e computadores. Pesquisadores já estão submetendo os sinais cerebrais a um exame aprofundado para descobrir se existem padrões mais complexos aos quais os computadores pudessem reagir.
Em Taiwan, por exemplo, Shiao-Lin Lin, do Hospital Universitário Nacional, em Taipé, começou a trazer à tona uma estrutura profunda escondida nos padrões. Segundo ele, os sinais parecem ser extraordinariamente complexos.
Em 1993, a equipe descobriu que o cérebro produz picos de atividade uma fração de segundo depois de um evento mental, como olhar para uma série de caracteres expostos. Padrões semelhantes ocorrem antes do início de uma ação, por exemplo, quando o cérebro se prepara para mover os dedos.
Talvez seja possível vincular padrões a tarefas mentais específicas, como fazer um objeto imaginário descrever um movimento. Shiao-Lin acredita que, se esses sinais puderem ser analisados, um computador poderia ser treinado para reconhecer padrões que correspondem a pensamentos específicos, e a reagir a eles.
No ano passado, na Universidade de Tottori (Japão), uma equipe de cientistas liderada por Michio Inoue aprofundou essa idéia, analisando sinais que correspondem à concentração sobre uma palavra específica. Essa pesquisa visa possibilitar que pessoas que sofrem de doenças neurológicas se comuniquem via pensamento.
O sistema depende de um banco de dados de padrões tirados de um sujeito concentrando sua atenção sobre palavras conhecidas. Para "calcular" o que o sujeito está pensando, o computador procura equivalências entre os sinais emitidos e padrões no banco de dados.
Por enquanto, o vocabulário do computador se restringe a cinco palavras, e ele leva 25 segundos para adivinhar em qual delas a pessoa está pensando. Inoue afirma ter obtido 80% de sucesso nos testes até agora, mas está trabalhando para tornar o sistema mais exato. Ele espera colocar uma versão no mercado em um ou dois anos.
Sinais poderiam ser usados em situações mais complexas. Stephen Roberts, da Faculdade Imperial (Londres), começou a estudar como eles podem ajudar deficientes a controlar cadeiras de rodas. Ele estuda a atividade cerebral gerada pela intenção de mover a perna ou braço -produzida mesmo que o movimento não se realize.
Mas análises computadorizadas de sinais cerebrais nunca são 100% exatas. "Quando falamos em controlar uma cadeira de rodas, mesmo 90% de precisão não bastam", diz Roberts. Para reconfirmar a intenção do deficiente de se mover numa direção, seu sistema também monitora os movimentos dos olhos. Se a linha de visão não "bater" com a previsão feita pelo computador, algo está errado.
Em outros lugares, como no laboratório da Base Wright-Patterson da Força Aérea Americana, em Dayton (Ohio), cientistas pesquisam como controlar simuladores de vôo usando sinais cerebrais.
Apesar dos êxitos, há muitos obstáculos. As pessoas não estão acostumadas a concentrar a atenção em como o cérebro funciona, e, em Wright-Patterson, muitos tiveram dificuldade em controlar conscientemente sinais produzidos pelo cérebro. No Japão, a complexidade dos sinais dificulta sua análise.
Talvez os sinais cerebrais não constituam uma maneira eficiente de realizar as complexas tarefas feitas rotineiramente com outras interfaces como teclado e mouse.
Seria possível utilizar uma interface de sinais para compor uma letra? A solução ideal seria que a letra "e" aparecesse na tela quando pensássemos nela. Mas treinar pessoas para produzir padrões mais reconhecíveis parece ser quase impossível, sem falar no resto do alfabeto e em outras tarefas. Será que existe alguma maneira de fazer a mente dominar o computador?

Tradução de Clara Allain

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