São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Democratização amedronta a China

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL A TAIWAN

A democratização de Taiwan funciona como uma "arma de efeito psicológico" temida pelo governo da China. Os chineses vão também manifestar o desejo de eleger seus dirigentes, avalia Hansen Chien, porta-voz do Kuomintang, o Partido Kue, que perdeu a guerra civil para os comunistas em 1949 e instalou governo em Taiwan.
Dona de uma das economias mais dinâmicas da Ásia, Taiwan realizou ontem a primeira eleição presidencial direta de sua história.
As pesquisas apontavam como favorito o atual presidente e candidato do Kuomintang, Lee Teng-hui.
Lee Teng-hui entra para a história como um Mikhail Gorbatchov chinês. Em 1988, ele assumiu o poder em uma sociedade ainda modelada pelo autoritarismo de Chiang Kai-shek, o líder nacionalista derrotado por Mao Tse-tung.
Os herdeiros de Chiang Kai-shek e Mao Tse-tung prometem lutar pela reunificação, mas diferem na hora de definir o caminho.
A China, na tentativa de acelerar a reunificação, pressiona Taiwan com manobras militares iniciadas em 8 de março.
Os EUA enviaram navios para manifestar apoio a Taiwan, e a região mergulhou em uma tensão não vista desde os anos 50.
A pressão militar chinesa apenas deixa a reunificação mais distante, opina Hansen Chien, 49. Em 1950, ele imigrou com sua família da cidade de Wuhan, centro-sul da China, para Taiwan. Entre 1976 e 1983, morou em São Paulo.
A seguir os principais trechos da entrevista com Hansen Chien.
*
Folha - Qual é o efeito das manobras militares realizadas pela China?
Hansen Chien - Primeiro vamos analisar os motivos que levaram a China a iniciar tais manobras. Acho que eles estavam pensando principalmente em influenciar o resultado da nossa eleição.
Com a intimidação, o povo daqui talvez pense que vai acontecer a guerra e por isso é melhor não votar no alvo da China comunista, ou seja, o candidato Lee Teng-hui.
Mas o povo está acostumado com essas ações da China comunista. Durante os últimos 46 anos foi assim. Eles quase nunca mostraram boa vontade para o nosso lado. Em segundo lugar, não fazemos nada contra ninguém. Apenas organizamos uma eleição direta.
Não aumentamos nossa força militar para ameaçar a China. Fazemos um processo interno de democratização e se isso prejudica alguém, prejudica apenas aqueles que não podem aceitar a idéia de democracia.
Folha - O sr. se refere ao governo em Pequim?
Chien - Sim. Os líderes chineses acusam Lee Teng-hui de buscar o caminho da chamada independência de Taiwan, ou seja, enunciar ao objetivo da reunificação. Mas ele é o nosso partido, o Kuomintang.
Falam claramente que a democratização não tem nada a ver com a idéia de independência. Bem, há um partido que defende a independência, mas nós nunca falamos disso. Nós defendemos que a China seja reunificada no futuro.
Mas essa reunificação deve ser pacífica e sem afetar o nosso padrão de vida. Também devemos manter nosso estilo de vida, ou seja, a reunificação só é possível quando a China começar a adotar sistema democrático.
Folha - Qual o efeito da democratização de Taiwan no processo de reunificação?
Chien - Acho que a China comunista não pode aceitar a idéia de Taiwan se transformar em uma democracia plena. Tal processo, em termos psicológicos, vai ter um efeito muito grande sobre o povo chinês. Aqui também somos uma sociedade chinesa, mas nos últimos dez anos passamos de um governo mais ou menos autoritário para um governo democrático.
Então os chineses no continente vão perguntar por que a China comunista não pode fazer o mesmo. Acho que essa é a principal ameaça sentida pelo regime comunista, a ameaça da democratização.
Folha - A China pressiona na tentativa de forçar a reunificação. Sua estratégia aproxima ou adia a reunificação?
Chien - Deixa a reunificação muito mais distante. Com a ameaça militar, o povo aqui começou a questionar a necessidade de se reunificar com esse regime. Muita gente pensa da seguinte maneira: eles nos tratam mal, declaramos independência. Há um lado ainda mais preocupante. O regime comunista promete invadir Taiwan caso a ilha declare independência.
Às vezes, eu me pergunto se eles não estão fazendo toda essa mobilização justamente para nos acuar. Assim, a independência vira a única alternativa disponível, e seríamos forçados a seguir por este caminho, o que serviria como pretexto para a China recorrer à força contra nós.
Folha - China e Taiwan são sociedades chinesas que caminham nos últimos 46 anos por modelos diferentes. Essa diferenciação não pode se tornar tão grande a ponto de inviabilizar uma reunificação?
Chien - Existe uma clara diferença de valores e de pontos de vista em relação ao mundo. Mas a cultura chinesa é algo muito arraigado. Veja a comida, o modo de organizar a casa, os valores morais básicos, são aspectos que não mudam tanto. Mas é claro que pensamos sobre essa diferenciação, que vai se tornar um ponto muito sensível no futuro. Quando dizemos que Taiwan é parte da China, temos uma perspectiva apenas cultural.
Taiwan certamente não é uma Província da República Popular da China, que nunca governou Taiwan, nem por um minuto. O nosso governo, da República da China, controlou todo o país, de 1911 até 1949, quando teve de mudar sua sede para Taiwan.
Folha - O sr. acha realista dizer que o Kuomintang pode voltar a governar a China continental?
Chien - Ninguém pode prever o futuro. Mas se um dia a China se democratizar a realizar eleições livres, não vejo razão pela qual o Kuomintang não possa voltar e participar. Nesse caso, teríamos a vantagem de conhecer melhor estratégias e mecanismos de eleição.
Mas estamos lidando com uma questão acadêmica. Falando muito francamente, acho até que nosso partido muito provavelmente não recuperaria o governo. Isso porque em uma democracia apareceriam vários partidos que disputariam o poder.
Folha - É inevitável a democratização da China?
Chien - Trata-se de uma tendência mundial. Se a China continuar suas reformas econômicas, vai haver mais dinheiro e dinheiro traz democracia.
Folha - O governo de Pequim critica a democratização de Taiwan, dizendo que a eleição é dominada pelo poder econômico.
Chien - É fato que campanhas eleitorais representam um custo. Países europeus buscam mecanismos para aperfeiçoar o sistema e tentar diminuir a influência do poder econômico.
Aqui em Taiwan, às vezes, a eleição custa muito dinheiro, mas o governo e o meu partido estão tentando, já há três anos, corrigir algumas distorções.
Mas é claro que o sistema não é tão ruim como prega a China comunista.

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