São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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CADÁVER INSEPULTO

A arena política não é recomendável para estômagos sensíveis.
Depois dos episódios da semana passada, em especial depois da ofensiva do governo contra a CPI dos Bancos, parece não haver dúvidas sobre quem saiu vencedor. Mas, a julgar pelos resultados da pesquisa Datafolha hoje publicados, o vencedor político pode ter sido moralmente derrotado.
Nada menos que 64% dos entrevistados acreditam que o presidente agiu movido por interesses discutíveis. A expressiva maioria quer uma CPI. E os entrevistados estão muito longe de qualquer consenso quanto aos efeitos que uma CPI teria sobre a estabilidade do sistema financeiro.
Em favor do governo está o fato, igualmente refletido na pesquisa, de que o número de entrevistados que considera a gestão FHC ótima ou boa tenha passado dos 32% em dezembro para 38%, agora.
Ou seja, mesmo sendo unânime a frustração com a opção governista contra a CPI, o cálculo dos benefícios alcançados até agora com este governo supera a percepção de custos.
Haverá sempre a hipótese de que as autoridades e os políticos que a elas se aliaram contra a CPI tenham agido animados por uma sabedoria maior, por uma visão mais precisa dos fatos que a população não alcança. Mas essa hipótese, fantasiosa numa democracia, é das mais inoportunas.
O apoio a FHC sustenta-se, possivelmente, em sua maior parte no sucesso da luta contra a inflação. Sua imagem de homem probo também deve ter pesado na apreciação.
Mas o fato de a campanha contra a CPI ter desagradado à maioria do eleitorado provavelmente significa que, nas campanhas eleitorais deste e dos próximos anos, uma suposta conivência de FHC com irregularidades no sistema financeiro poderá voltar recorrentemente à agenda.
O governo levou à lona o inimigo. Mas o fantasma do cadáver insepulto talvez não caia no esquecimento. Pior para os estômagos sensíveis.

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