São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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VENENO NA FESTA

Desde que se redemocratizou o Haiti, no ano passado, a América Latina vive uma situação inédita na sua história: todos os 35 países são democráticos, com a exceção de Cuba.
É verdade que há senões aqui e ali, mas prevalece um forte consenso no sentido de que o regime democrático avançou muito em uma região com uma história maculada por incontáveis quebras da ordem institucional.
Contribuiu para esse fenômeno o fim do comunismo. O fantasma da subversão, usado muitas vezes abusivamente, foi causa ou pretexto de inúmeros movimentos militares.
Nesse panorama positivo, porém, insinua-se uma sombra. É a corrupção, que também havia nos regimes fechados, mas que a censura mantinha longe das vistas do público.
Com a vigência da democracia e, por extensão, da liberdade de imprensa, casos de corrupção ganham a luz do dia, e o fenômeno tomou dimensões tão inquietantes que a OEA decidiu convocar, para esta semana, uma reunião especial destinada a discutir o problema e seu efeito sobre a governabilidade. É mais do que tempo. Dois presidentes latino-americanos já foram forçados a deixar seus cargos sob suspeitas de corrupção, amparadas aliás em sólidas evidências. Foram o brasileiro Fernando Collor e o venezuelano Carlos Andrés Pérez, ambos em 1992.
Este ano, há mais dois mandatários sendo investigados sob as mesmas suspeitas. O colombiano Ernesto Samper é acusado de ter recebido volumosos recursos do narcotráfico para a sua campanha. O paraguaio Juan Carlos Wasmosy, de ter contratado empresas que lhe pertenciam e estão hoje em nome da mulher e do irmão para prestar serviços ao governo.
Dossiê que esta Folha publica hoje mostra que, além desses casos mais agudos, há uma série de outros maculando a geografia latino-americana. Esperar que se elimine a corrupção é pecar por ingenuidade, mas é urgente encontrar um antídoto para esse corrosivo veneno antes que ele turve a festa da democracia.

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