São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Razão pra quê?

CAIO TÚLIO COSTA

Vai-se discutir a Razão nos Diálogos Impertinentes* deste mês. A palavra é tão velha e tão significativa quanto indispensável para entender os dias de hoje.
Usam-se palavras a torto e a direito sem se refletir sobre sua utilidade, principalmente em tempos carentes de razão. A importância desta palavra na iluminação da realidade é tão grande que seu uso vulgarizou-a e multiplicou-lhe os sentidos.
Se você for ao dicionário encontrará ao menos 40 significados; da faculdade que o ser humano tem de fazer avaliações até, por exemplo, a razão giromagnética ("Aurélio"). Sem falar no uso como sinônimo de bom senso, juízo, raciocínio, causa, lei moral, prova, conhecimento etc.
Você poderia indagar: E daí? Quais os pontos negativos?
Nenhum, se se tomar o ponto de vista da língua como organismo vivo e incontrolável -para desespero dos gramáticos. Mas total, se se pensar que a realidade é modulada por aparências e tudo aquilo que aparenta alguma razão talvez esconda outra, profunda e inimaginável.
Isso vem à mente quando se assiste a tanto burburinho com relação à investigação do sistema bancário. Quem tem razão, o governo que foge (como o diabo foge da cruz) da investigação parlamentar, ou aqueles que querem levar a investigação a fundo? Teria razão o governo que, aparentemente, vai ganhando a parada? Quais motivos teria para evitar o inquérito além de dizer que o país não aguentaria uma crise ainda maior do sistema financeiro e o resultado seria a quebradeira geral?
Por que, num sistema em depuração, as labaredas da crise não poderiam ser benéficas, mesmo fugindo ao controle dos inquisidores? Por que o brasileiro tem de aguentar sem críticas, até o fim, os mesmos acms, sarneys, fernandohenriques e suas pseudo-racionalidades?
O discurso racional foi-se construindo, no mundo, em oposição ao discurso profético, sempre contra a palavra burra da fé. Seguiu o caminho do "logos" grego (que virou "ratio", no latim) ao se opor ao mito.
Noutra ponta, exige-se do discurso persuasivo, para não aparentar irracionalidade, que ele tenha ao menos alguma aparência de razão e, se não a demonstra passo por passo, ao menos deve ter argumentos.
Se, como dizem os historiadores das idéias, o debate político pode ser um lugar para o desenvolvimento da razão, esta prática falta ao Brasil cuja caricatura mais fiel (e cruel) se vê nos socos de Antônio Carlos Magalhães contra o senador da gravata do Pato Donald. Qual racionalidade tem por trás deste embate de pai macho baiano (ACM) contra o colecionador de gravatas (Ney Suassuna)? Que discurso racional tem por trás da recusa à CPI dos bancos?
Nenhum, obviamente, porque nestes tempos, nesta terra chamada Brasil, os discursos com pretensão de racionalidade vêm para esconder, acobertar, mascarar uma realidade cada vez mais podre -o Banco Central e quem passou por lá que o diga.
A razão é humana, disseram os filósofos. Se conhecessem o Brasil de hoje poderiam acrescentar: e por isso mesmo sujeita a avacalhações.
Não vale dizer que se enfrenta mais uma das periódicas crises da razão. Aqui, esta crise é perene.

*Debate a ser realizado no auditório do Sesc-Pompéia em São Paulo. Conversam os professores Gerd Bornheim (UERJ) e José Miguel Wisnik (USP). Transmissão ao vivo pela NET/Multicanal. Dia 26 às 20h40.

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