São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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o Oscar por um fio

MARISA ADÁN GIL

Melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor roteiro adaptado: há 11 anos, "O Beijo da Mulher-Aranha" entrava com tudo na disputa do Oscar.
A torcida era forte, mas realista. Concorrendo com os pesos-pesados de Hollywood -por ser falado em inglês, entrou na categoria principal, e não como filme estrangeiro-, o filme de Hector Babenco tinha poucas chances. Perdeu para "Entre Dois Amores", de Sidney Pollack. "Concorri com Kurosawa, Spielberg, gente grande", diz o argentino naturalizado brasileiro. "Mas tivemos uma vitória, o William Hurt."
Enquanto se prepara para rodar seu novo filme, "Foolish Heart", Babenco entra na torcida de "O Quatrilho". "A indicação ao Oscar é uma demonstração cabal de que sabemos fazer cinema."
"Foolish Heart", com roteiro de Babenco e de Ricardo Piglia, começa a ser filmado em agosto. É seu primeiro filme desde "Brincando nos Campos do Senhor", de 1990. Nesses seis anos, Babenco tropeçou na legislação brasileira, num projeto fracassado ("Alicia's Book", que não vingou por desentendimentos com os produtores americanos) e nos problemas de saúde. O diretor sofre de câncer linfático e, no final do ano passado, foi submetido a um transplante de medula óssea nos EUA.
Membro da Academia -vota em todas categorias, menos filme estrangeiro-, Babenco revela suas preferências. "Votei em 'O Carteiro e o Poeta'", diz. "Acho que votei em todos que não vão ganhar."

O que a indicação de "O Quatrilho" significa para o cinema brasileiro?
Acho uma dádiva. É uma coisa linda que isso aconteça na vida de um homem, de uma cinematografia, de um país: ser escolhido por seus pares como um dos finalistas. Não se está dizendo que o seu filme é o melhor do mundo. Mas é a festa e a homenagem mais importante que o audiovisual conhece. Ver o Brasil ser homenageado com uma indicação e eventualmente com um Oscar enche o peito de orgulho. É uma demonstração cabal de que somos artesões competentes, profissionais sérios e que sabemos fazer cinema.
Você gosta de "O Quatrilho"?
Não vi ainda. Quando estreou, estava fora do país, fazendo tratamento médico nos EUA. Pretendo ver logo.
Você viu os concorrentes?
Só um, "A Excêntrica Vida de Antônia". É uma bobagem cheia de boas intenções. Mas as pessoas gostam porque é bonzinho, meigo.
Em 85, "O Beijo da Mulher-Aranha" teve quatro indicações. Como foi?
Meus concorrentes eram Akira Kurosawa, John Houston, Sidney Pollack, Steven Spielberg, gente grande. Então, eu sei o que uma indicação representa. Mas nossas chances eram bem menores. Era impossível um filme sobre homossexualismo ganhar. Agora, quando a gente pensa que o Martin Scorcese nunca ganhou um Oscar, fica feliz.
Como é participar da festa?
É uma festa cafona, um horror, extremamente cansativa. É uma demonstração do poder e da pujança da indústria. Eu só iria se estivesse competindo, nunca como convidado. Acho de uma formalidade meia besta. Não tem a ver com o cinema que eu gosto mais, mas sim com o que o cinema se tornou: se a Demi Moore faz uma plástica, vira capa de revista. O Oscar é o maior aquário de peixes coloridos que eu já vi.
Você é um membro da Academia.
Sou talvez o único brasileiro que vota, por ter sido indicado ao Oscar. Recebi o envelope com as indicações, já mandei de volta para os EUA. Dá um sentimento de responsabilidade.
Qual foi seu voto para melhor filme?
O voto é secreto. Acho que votei em todos que não vão ganhar. Vão ganhar os monstros, como "Apollo 13" ou "Coração Valente".
Um filme como "O Carteiro e o Poeta" nunca ganharia.
Eu votei em "O Carteiro e o Poeta". Se ganhasse, seria uma alegria. O cinema internacional está uma vergonha. Acho que o melhor filme do ano é "Despedida em Las Vegas". Vi "Razão e Sensibilidade", parece novela da Globo. Não, do SBT.
Que filmes recentes te marcaram?
"A Fraternidade é Vermelha", do Kieslowski, é muito interessante. É um cineasta muito interessante.
Em 1995, quando já se comemorava o sucesso de "Carlota Joaquina", você dizia que o cinema brasileiro ainda estava em um momento de depressão. Esse momento foi superado?
Estamos melhor do que em 95. Tem havido sinais poderosos de reconciliação entre o cinema brasileiro e o público. Mas temos que poder produzir. Quem está inadimplente nesta equação do cinema brasileiro é o Ministério da Cultura. Não está nos dando leis que nos permitam fazer cinema independente da tutelagem do Estado.
Mas eu acho que têm surgido filmes interessantes, "Jenipapo", "Fiesta", "Terra Estrangeira". É um momento bom. Mas é baseado no esforço e no trabalho braçal do produtor cultural brasileiro. Porque as leis ainda são capengas. A Lei Rouanet é um blefe. É malfeita, mal-administrada, aproveitada pelas grandes empresas em benefício próprio.
A atitude do público mudou?
O público sempre esteve com o cinema brasileiro. É que tem havido muitos filmes ruins, o público não vai ver. Como também não vai ver muito filme norte-americano. Eles fazem 400 filmes por ano e 20 se pagam. O resto são porcarias. Por que o cinema brasileiro detém a obrigação de que todos filmes sejam obras-primas e ganhem Oscar? Acho que a rivalidade entre um cinema de ocupação e um cinema de resistência é altamente produtiva. O cinema brasileiro tem que crescer para poder brigar de igual para igual.
Como está "Foolish Heart"?
Começamos a filmar em agosto. O cast está escolhido, mas os contratos não estão assinados. De certo, tem a vontade, o mais importante.
Fala-se em Jennifer Jason-Leigh.
Seria um personagem parecido ao que ela acabou de interpretar em "Georgia". Temos discutido no telefone se valeria a pena ela se jogar de novo em um personagem autodestrutivo. Vamos filmar os exteriores na Argentina, os interiores aqui. Se vier a ser feito.
Você não tem certeza?
Não tenho certeza absoluta. A decisão principal depende de eu estar bem para fazer o filme.
Como está o seu estado de saúde?
Estou bem, mas não sei se bem o suficiente para fazer um filme. Talvez eu esteja, daqui a alguns meses.
Você já superou a decepção com o fracasso de "Brincando..."?
Não foi uma decepção. Foi uma constatação de que determinados temas, abordados de certa forma, não atendem ao que a mídia e o público querem. Mas o filme tem críticas excelentes no mundo todo. É muito respeitado, mas pouco visto.
Você já se arrependeu de ter se naturalizado brasileiro?
Eu vim pra cá porque não podia ir para a Argentina, era desertor do Exército. Não foi uma opção intelectual, não. Ou ia limpar bosta nos estábulos do Exército ou vinha para um país onde tinha alguns amigos. Acabei ficando, casando, fazendo minha vida. Faço questão de dizer que, profissionalmente, sou brasileiro. Meus filmes são brasileiros.
O que vem depois de "Foolish Heart"?
Depois disso, não sei ainda. Não há espaço para sonhar muito. Eu, pelo menos, não consigo.

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