São Paulo, terça-feira, 26 de março de 1996
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O rascunho vencedor

JANIO DE FREITAS

Alguns aspectos importantes da aprovação inicial da "reforma" previdenciária, na Câmara, ficaram soterrados pela importância dada à euforia governista e, embora em escala bem mais modesta, à operação de suborno praticada pelo presidente Fernando Henrique.
Terminada a votação, por exemplo, ninguém poderia garantir qual foi o texto de "reforma" aprovado. E de lá para cá esta obscuridade não mudou, porque, não se sabendo com segurança o que foi aprovado, nada assegura que um texto depois apresentado tenha sido, de fato, o submetido à votação.
Tamanho absurdo -e, note bem, trata-se de mudança na Constituição- decorre de que foi transgredida a norma de proporcionar a cada deputado o texto impresso do que será votado. Até a última hora, foram feitas alterações à mão no texto, com as quais o deputado e relator Michel Temer atendia a interesses em troca de mais um ou alguns votos pró-governo.
Além de alterações no interior de artigos, houve a inclusão de pelo menos um artigo até então inexistente, daí resultado que o texto alegadamente final, e supostamente aprovado, ficasse com dois artigos sextos, um impresso e um manuscrito. E ainda não foi tudo, porque a sem-cerimônia não coube no papel impresso. Uma novidade aí começada teve de continuar em uma folha qualquer, de repente dada como parte do texto em votação.
Nenhum parlamentar sabia no que estava votando. Mesmo que soubesse, a partir da votação não poderia mais garantir que novas rasuras não fossem feitas no texto votado. Ou que a folha solta não ganhasse mais texto, podendo mesmo ser substituída por qualquer outra.
É claro que a Mesa da Câmara foi testemunha de toda essa agressão ao regimento e à compostura. E, ao admiti-la, tornou-se, mais do que conivente, responsável pela ilegitimidade que resultou em agressão da própria Câmara dos Deputados à Constituição.
As rasuras, os acréscimos manuscritos e a folha anexada ficaram documentados. Foram objeto de menções no noticiário e não foram negados pelos dirigentes da Câmara nem por qualquer dos demais governistas. O que leva a presumir que seriam provas mais do que suficientes para a anulação judicial da votação -mas, para tal presunção, seria necessário presumir, também, que o Supremo Tribunal Federal é dedicado ao Direito e à Justiça, e não à política e ao governo. Quem quiser alimentar esta presunção, fique à vontade.

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