São Paulo, terça-feira, 26 de março de 1996
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A Light e o setor elétrico

LUÍS NASSIF

Há um engano no enfoque sobre a privatização da Light.
O problema não é preço mínimo ou máximo, mas o fato de até agora o governo não dispor de um modelo acabado para a reestruturação do setor elétrico (providência que a coluna cobrou em 20/05/92, 28/05/92 e 26/10/93, entre outros, sem as quais a privatização seria prejudicada).
Onde há indefinição, há risco; onde há risco, há redução do interesse -e, automaticamente, do preço.
Nada se fez nos últimos anos. De um lado, a Eletrobrás volta a acenar com a ameaça de falta de energia, se não houver US$ 1,9 bilhão em novos investimentos.
De outro, há um sem-número de opções para botar de imediato na praça -energia elétrica e gás da Argentina, gás da Bolívia, conexão entre as malhas do sul e do norte e uma infinidade de candidatos a produtores independentes- que não acontecem porque ainda não existe o tal marco regulatório do setor.
Tudo porque as autoridades da área não conseguirem se livrar das injunções das corporações federais.
A Eletrobrás está há anos sentada em cima de uma série de definições essenciais para a construção do novo modelo, que não necessitam nem do Congresso nem da Constituição para ser implementadas.
O único projeto que dependia do Congresso -a nova agência nacional de energia, que substituirá o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee)- foi concebido no âmbito da própria corporação Dnaee, sem discussão sequer com setores externos interessados, como companhias estaduais de eletricidade.
Hoje em dia, o Dnaee é uma repartição burocratizada, que remunera mal seus funcionários -razão por que, dos seus 280 empregados, pouco mais de 20 pertencem ao seu corpo próprio.
O restante é emprestado pelas próprias empresas que, presumivelmente, deveriam ser fiscalizadas.
Em vez de uma nova agência, enxuta e altamente especializada, o projeto provavelmente esconde uma super-repartição, travestindo o velho Dnaee com outras roupagens.
Pendências
Em lugar de um modelo flexível, desburocratizado, o tratamento conferido aos produtores independentes é um primor de burocratismo inútil e do velho vezo centralista brasileiro.
Uma das propostas que se tem à mesa confere ao Dnaee o poder de aprovar o projeto da planta e as condições de salubridade da obra e fiscalizar aspectos ambientais -uma série de atribuições que já são prerrogativas dos Estados.
Recria-se a figura da reversão (pela qual, findo o prazo do contrato, todas as obras físicas do produtor independente revertem para a União), que só tinha lógica no velho sistema de concessão.
O sistema de tarifas -que, pela reforma de 1993, tinha sido estadualizado- volta às mãos do governo central, que definirá a partir de Brasília o que interessa a cada Estado.
Todas as demais definições continuam pendentes. Até hoje, não se definiram nem sequer as regras do sistema de transmissão nacional -o Sintrel-, que unirá produtores e consumidores de energia.
Detalhe
Por tudo isso, a questão Light é apenas um detalhe dessa história inacabada.
Ao contrário das privatizações predatórias do início da década, desta vez corrigiram-se três distorções fundamentais que marcaram a primeira e segunda fase da privatização -fluxo de resultados, taxa de desconto e pagamento em dinheiro.
Antes, consideravam-se no cálculo dos preços os resultados da companhia, sem considerar os ganhos advindos da privatização; depois, taxas de desconto elevadíssimas, que deprimiam o valor presente do empreendimento; e ainda se permitia o pagamento em moedas podres.
Tudo isso foi corrigido no caso da Light. O que seria ótimo, se houvesse ambiente econômico estável e o chamado marco regulatório definido.
Sem as regras do jogo, as companhias do ramo não se interessarão pela Light. Restarão os investidores de sempre -que só comparecerão se o preço baixar ou se o BNDES aceitar parte do pagamento em moedas da privatização.
Lembrete
A propósito, o BNDES deverá autorizar a utilização de 20% do pagamento em moedas da privatização.

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