São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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"Âncora verde acabou"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Governo prevê alta para a cesta básica a partir de abril

O governo não terá mais a ajuda da agricultura para garantir inflação baixa. O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Leite da Silva Dias, resume o novo momento em duas palavras: "Acabou a festa".
Isto significa, segundo ele, que os trabalhadores que recebem até três salários mínimos (R$ 300) vão sentir mais o impacto desta recuperação de preços. "Para o consumidor final, que depende muito da cesta básica, com salários mais baixos, vai dar uma apertadinha", disse Dias à Folha.
Veja os principais trechos da entrevista.
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Folha - Como vai ficar a agricultura em 96?
Guilherme Dias - No quadro do abastecimento, será um ano em que para algumas commodities mais importantes nós vamos ter falta de oferta doméstica em relação à demanda. O mais notório é o milho, um déficit muito forte no Rio Grande do Sul e outro razoável em Santa Catarina.
Folha - Estes problemas sinalizam que a agricultura não será mais a âncora da política econômica?
Dias - Acabou a festa para o consumidor brasileiro em relação ao produtor rural. Neste ano há uma inversão desta relação. Não é uma inversão dramática porque os nossos preços não estão tão inferiores em relação ao mercado internacional, principalmente no fim da entresafra. E alguns produtos, como é o caso do trigo e dos óleos vegetais já igualaram. A pancada dos custos vem via milho ao longo do ano sobre a ração animal. Não é uma pancada desarvorada de preços mas é uma correção que vai até a entressafra.
Folha - Quando é que vai aparecer este aumento para o consumidor?
Dias - Acho que o grosso deste aumento vai aparecer este ano, entre abril e junho. Não vai esperar outubro e novembro, como acontecia antes. Acho que ao nível de venda de produtor, este aumento deve representar entre 20% e 30%.
Folha - Qual é o impacto desta elevação na venda direta ao consumidor?
Dias - Vai depender de um ajuste de margens. A indústria trabalhou com margens folgadíssimas no ano passado. Os próprios moinhos mostraram que eles subiram os preços intermediários muito mais do que subiram os das matérias-primas. Não há dúvida de que este pessoal está muito bem defendido em margens.
Folha - Mas este pessoal pode subir mais o preço...
Dias - Não quando se está muito próximo dos preços internacionais internalizados aqui dentro. Eles sabem que a competição fica muito forte.
Folha - Qual é a estimativa da renda para o setor neste ano?
Dias - O pior que aconteceu no ano passado foi o conflito entre queda de renda e o aumento do endividamento. A gente acredita que é um ano em que pode aumentar a renda, é um ano em que se começa a recompor esta relação de endividamento e intermediação financeira dentro do setor. Mas a recomposição total e a saída da crise vai precisar de dois ou três anos.
Folha - A securitização causou os efeitos esperados?
Dias - Não. Os efeitos estão atrasados. Estamos aí com um cronograma de dois meses de atraso em relação às nossas expectativas em novembro. Agora é o problema no balcão, no caso-a-caso. A securitização vai mostrar os efeitos em junho e julho. Na hora de adquirir força para o ano que vem, o mercado vai perceber o impacto. O efeito maior fica para a safra do ano que vem.
Folha - Então vai ser um ano melhor do que o de 95?
Dias - Para o consumidor final, que depende muito da cesta básica, com salários mais baixos, vai dar uma apertadinha. E a gente espera que isto seja aliviado um pouco por outros gastos. Para a classe média, a gente já percebe a queda no preço dos serviços. O assalariado, de dois a três salários mínimos, será mais prejudicado.

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