São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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Os desafios da agricultura

LUIZ ANTONIO PINAZZA

Uma nova história começa a ser desenhada na agricultura a partir deste final de século. O cenário futuro parte das premissas ditadas pela globalização da economia, estabilização da moeda, regras acordadas na Organização Mundial do Comércio, emergência dos países asiáticos, equilíbrio e consciência ambiental.
Neste quadro, o Brasil precisa olhar com carinho as oportunidades que lhe são abertas.
A reestruturação corre rapidamente e transforma as políticas clássicas de segurança alimentar que prevaleceram nas últimas décadas.
Nos países desenvolvidos, implementa-se cada vez mais o "food safety", de caráter qualitativo, cujo enfoque é a defesa do consumidor, em termos de nutrição e saúde. Lá, a dieta está em cima de produtos de maior valor agregado, com maior equilíbrio entre alimentos energéticos, protéicos e vitamínicos.
Nos países em desenvolvimento, prevalece o conceito de "food security", segundo o qual as políticas devem ser muito mais orientadas para a produção, com a finalidade de expandir a oferta e garantir principalmente o suprimento de alimentos à população.
Esta movimentação vem alterando a estrutura da oferta e demanda no sistema de alimentos, fibras e energéticos. Mais por questões orçamentárias internas, do que pelo acerto da Rodada Uruguai, os países desenvolvidos, estão sendo obrigados a reduzirem os subsídios agrícolas. O resultado aparece na menor produção e queda nos estoques dos últimos anos.
Paralelamente, assiste-se um aumento na demanda, em particular no leste da Ásia. Os capitais internacionais estão fluindo para lá, onde o surto de crescimento das economias é intenso. O Japão está abrindo o seu mercado. As perspectivas reascendem até para mercados que estiveram muito deprimidos no começo dos anos 90, como borracha, papel e celulose, e café.
Neste contexto, o grande peso-pesado é a China. Com 1,2 bilhão de habitantes, dos quais um terço ainda morando na zona rural, a produção de grãos chinesa, de 150 milhões de t, terá de crescer, no mínimo 10 milhões/ano. É um desafio quase impossível para um país que tem um hectare agriculturável para 14 habitantes.
O ano de 1986 é o ponto de inflexão do descalabro das políticas de subsídios e proteção praticadas pelos países desenvolvidos. Criaram-se artificialmente lagos de leite e montanhas de grãos, carnes e manteiga, jogando os preços das commodities agrícolas na bacia das almas. Agora a situação muda de figura. Os países da União Européia taxam as exportações de trigo, diante da temeridade da falta do produto e dos altos preços do cereal.
A grande realidade é de que somente os EUA poderão aumentar a oferta de alimentos com alguma significância nos próximos anos. Mas eles também têm limite.
Nos últimos 40 anos, a população mundial dobrou e a oferta de alimentos acompanhou o ritmo da demanda. Os efeitos da "Revolução Verde" sobre a produtividade agrícola foram notórios. Tanto assim que os preços dos alimentos permaneceram em queda contínua.
Este desempenho, pelo menos do ponto de vista técnico, ajudou a exorcizar o fantasma da fome. Hoje, a questão ganha um tratamento bem diferente do século 18, quando Thomas Malthus dizia ser inevitável que o crescimento populacional fosse maior do que o da produção de alimentos.
Tudo isso não significa que a obra está completa. A cada ano, a população dos países em desenvolvimento aumenta em torno de 90 milhões. De acordo com a ONU, a população mundial deve exceder a 8 bilhões de pessoas, em 2020, 45% a mais do que a população atual. Cerca de 90% deste crescimento se dará nos países não-desenvolvidos. A demanda por alimentos crescerá ainda mais rapidamente se houver expansão econômica.
Existe consenso de que o verdadeiro problema não é a falta de alimentos no próximo século, mas a fome real que áreas e classes específicas continuarão a sofrer no mundo. As soluções passam pela tecnologia e também por políticas macro e micro, econômicas e sociais, que conduzem ao crescimento econômico global.
Nos países desenvolvidos, a agricultura sempre foi administrada na ótica prioritária da segurança alimentar. Nesta direção, o Brasil tem uma grande lição de casa a fazer, que se justifica em todos os sentidos pelo seu quadro de pobreza interno. O país tem um agribusiness forte, gerador de emprego e divisas, cujo desenvolvimento sofre negativamente com a instabilidade da renda e da produção no campo.
Este ano, as importações de cereais e oleaginosas baterão recordes históricos, em função da queda da produção e da maior demanda interna. É a contramão do quadro de baixo estoque e preços altos das commodities no mercado internacional. As consequências são nefastas. Preciosas divisas serão dispendidas para internalizar alimentos, enquanto que, a inflação não terá a contribuição da âncora verde.

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