São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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Álcool e petróleo: interesses nacionais existem?

LUIZ PINGUELLI ROSA

O debate sobre o álcool é revelador. Há os defensores do álcool e os do petróleo nacional.
Na democracia diferentes setores têm interesses representados politicamente. A questão é: servem ao país?
O álcool só tem sentido havendo uma política energética nacional, que, forçosamente, inclua o petróleo. Entretanto o neoliberalismo nega tanto os interesses nacionais como os de trabalhadores, que rotula de corporativos.
Mas acata tanto os interesses externos representados pelo Banco Mundial como os empresariais e privados, particularmente os de multinacionais e bancos.
É fundamental recolocar o interesse público, desde o nível local ao nacional. O colapso do poder público nos últimos temporais de verão no Rio mostrou que os governos municipal, estadual e federal perderam a dimensão da tarefa de governar para a população como um todo.
Prefeito, governador e presidente estavam todos ocupados em promover bons negócios, reduzir o risco Brasil, vender estatais para salvar o Tesouro, salvar bancos falidos que compraram as estatais e atrair investidores estrangeiros para salvar o Brasil dos banqueiros.
Apesar da modernização da informática e das telecomunicações, a população ficou entregue ao azar, ao profissionalismo dos bombeiros e à solidariedade comunitária por dois dias. É preciso reaprender a governar. Não basta manter a moeda estável e promover bons negócios para alguns.
Perde-se a consciência dos interesses nacionais. Em recente reunião com o ministro da Educação, Paulo Renato, realizada no Clube de Engenharia, no Rio, coloquei o problema da "destecnologização" da indústria nacional.
O ministro respondeu que em outros países ocorre o mesmo e o governo nada pode fazer, pois é culpa da globalização.
Observei então que há governos atuando politicamente para defender os interesses de seus países, como evidencia a atuação norte-americana junto ao governo brasileiro para obter o contrato do Sivam para a Raytheon ou para aprovar a lei de patentes. Nosso governo cedeu tudo.
Empresas estrangeiras querem ter livre acesso às instalações da Petrobrás para manejar produtos que vão concorrer com os dela.
É claro que isso pode ser feito, desde que em parcerias, se a Petrobrás ganhar também com uma operação desse tipo, mas não sendo obrigada a deixar os concorrentes se servirem de seu patrimônio.
De tão absurda, essa pretensão acabou sendo rebatida pelo próprio presidente da Shell, no seminário sobre regulamentação do monopólio da União no petróleo.
Meu medo é que o governo seja menos sensível aos interesses brasileiros que o presidente da Shell, que é estrangeiro, e acabe incluindo absurdos como esse na regulamentação. Pelo que ocorreu na lei de patentes, isso é possível.
No entanto, lá fora as regras são outras. A Braspetro perfurou um poço no mar do Norte, cumprindo seu contrato, e não conseguiu usar o duto de uma grande multinacional de lá para escoar a produção, propondo-se a pagar pelo uso, o valor normal.
Foi-lhe cobrado um pagamento tão alto que praticamente inviabilizou a operação. A decisão foi implacável e não houve acordo.
No Brasil, a forma de retirar o Estado do setor energético o está desestruturando, não só as estatais.
O setor do álcool é privado, mas não sobrevive sem a proteção do Estado.
A COPPE fez um estudo mostrando seus prós e contras, avaliando cada aspecto e analisando o papel dos atores, como a Petrobrás e as multinacionais montadoras de automóveis, que perderam o interesse no álcool.
O Banco Mundial aconselhou acabar o programa do álcool em relatório ao governo.
Deterioraram-se os preços dos combustíveis, deixando o álcool dar um prejuízo de R$ 1,4 bilhão para a Petrobrás em 1995.
No entanto, o álcool tem a vantagem ambiental de não contribuir para o efeito estufa e poderia captar recursos internacionais por isso.
Mas para subsidiar o álcool por impostos, deve-se impor condições, como a redução progressiva do custo, que pode cair e é maior em algumas usinas, e a manutenção do nível de mão-de-obra, importante face ao desemprego, causa do risco de instabilidade social, considerado alto no Brasil por recente relatório da CIA.

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