São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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Imagine isso

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - De uns tempos para cá tenho necessidade cada vez maior de telefonar para São Paulo. A maioria dos brasileiros estranha o jeito carioca de falar, temos uma gíria complicada e uma prosódia ridícula -o que não chega a ser exclusividade carioca.
O que venho estranhando no curtíssimo diálogo que travo com telefonistas, atendentes e secretárias é a rapidez com que as palavras são alteradas e adotadas simultaneamente por todos. Ano e meio atrás, a moda era o "imagine". Agradecia-se ou pedia-se uma informação e vinha o inarredável "imagine".'
Perguntava-se por fulano. Se estava ausente, a resposta era "imagine". Se estava presente, a resposta era a mesma e o cara atendia -"aí está chovendo muito?"; "podia me dar uma informação?"; "a que horas chega o avião?"- e eu era obrigado a imaginar essas coisas.
De repente, arquivaram o "imagine" e entrou em circulação o "isso". O fulano está? A que horas chega? Está chovendo muito? Afinal, com quem estou falando? Toda a angústia dos exórdios telefônicos torna-se mais angustiante com a resposta vaga: "Isso". O mais curioso é que todas as vozes e entonações ficam parecidas. Outro dia, perdi a paciência e mandei uma atendente lamber sabão. Apesar da expressão arcaica (hoje, ninguém manda ninguém lamber sabão, manda fazer coisas piores), a resposta da moça foi: "Isso!"
Fiquei imaginando, primeiro, que a moça iria realmente lamber sabão; segundo: que ela também estava me mandando lamber sabão. Ambos tínhamos razão. Ignoro se ela cumpriu minha ordem. Posso garantir que não lambi sabão nenhum.
Uma terceira palavra entrou em recente circulação: "alavancar". FHC a usou no seu pronunciamento da semana passada. Imagine isso: alavanquei mais uma crônica à custa dos paulistas. Se perguntarem se estou envergonhado, responderei: "Isso!"

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