São Paulo, quarta-feira, 27 de março de 1996
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Desemprego

ANTONIO DELFIM NETTO

É preocupante a complacência com a qual um grande número de economistas encara o problema do desemprego.
Essa atitude laxista não pode levar à construção de uma sociedade civilizada. Até quando se pode admitir que ex-quase-cidadãos se conformem com o fato de que eles devem aceitar o seu desemprego e o seu sofrimento, como consequência de uma exigência "científica"?
Até quando eles esperarão pelo "pleno emprego" prometido pelo equilíbrio do mercado neo e novo clássico? Até quando a sua paciência suportará a idéia que eles estão desempregados porque ainda não "cabem" na sociedade tecnológica "moderna"?
Desde a Idade Média o pensamento econômico tem se dividido entre duas visões antagônicas com relação ao emprego.
De um lado uma visão mais liberal que ataca o monopólio construído para controlar a entrada dos trabalhadores no mercado de trabalho (as corporações medievais, as exigências de sindicalização).
Essa visão exige o direito de trabalhar, isto é, a eliminação de todas as barreiras que limitam a oferta individual de trabalho. A concepção subjacente é a de que, deixado a si mesmo, o mercado de trabalho tem uma dinâmica interna que o leva, automaticamente, a um estado de alto e estável nível de emprego.
A intervenção do Estado nesse caso só pode dificultar e atrasar o restabelecimento do equilíbrio rompido por qualquer choque real, como por exemplo um avanço tecnológico.
De outro lado encontramos uma visão mais intervencionista, que sugere que o desemprego é produzido pela deficiência da demanda global e pela existência de imperfeições no mercado que, deixado a si mesmo, raramente produz um estado de alto e estável nível de emprego.
Essa visão exige o direito ao trabalho, o que se faz por uma intervenção ativa do Estado e pela construção de mecanismos de suporte temporário dos desempregados, como é o caso do seguro-desemprego.
Essas duas concepções antagônicas são ainda claramente perceptíveis na atualidade. De um lado vemos um bando de "nouveaux économistes" garantindo que todo desemprego é voluntário e que ele só existe porque as pessoas não se conformam em aceitar um menor salário real.
Com uma lógica tão torturada quanto a escolástica, garantem que estamos sempre no "equilíbrio" e que a crise de 1929, por exemplo, foi produzida por um enorme ataque de vagabundagem que infeccionou todo o proletariado mundial!
De outro, encontramos ainda alguns ingênuos que acreditam que apenas com uma "boa" intervenção estatal seria possível superar o problema.
Um problema simples não dura seis séculos. A sua solução (se é que ela existe) é mais complexa e exige, certamente, a construção de instituições mais adequadas do que as atuais.
Mas ela não virá nem do laxismo nem da simples esperança na ação do déspota esclarecido.

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