São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 1996
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A armadilha da Light

CELSO PINTO

O conselho ministerial de privatização tenta resolver hoje como sair da armadilha em que o governo se meteu na privatização da Light.
O leilão tem data marcada, 18 de abril, e preço fixado, R$ 2,4 bilhões. Mas corre o risco de não ter compradores.
O mercado diz que o único comprador realmente interessado é o consórcio de empresas do setor elétrico chileno. O BNDES diz que a Electricité de France também está na parada, além da CSN e da Vicunha. O próprio BNDES admite, porém, que todos reclamam do preço e que há risco de fracasso.
Isto cria uma espécie de "catch 22" para o governo. Se o BNDES fizer o leilão, corre o risco de fracassar e arranhar, com isso, o prestígio do programa.
Não dá para baixar o preço diretamente, mas pode-se chegar lá usando três artifícios: aceitar as chamadas "moedas podres" como parte do pagamento; dar um financiamento generoso; ou assumir um subsídio aos empregados que hoje é de responsabilidade da empresa.
Se optar por qualquer destas saídas, contudo, o BNDES poderá ser acusado de mudar as regras do jogo para beneficiar investidores. O programa, também neste caso, sairia arranhado.
Como se chegou nesta situação?
Uma resposta óbvia seria culpar a avaliação. Para se chegar ao preço de venda de uma empresa, o método normalmente utilizado é projetar o fluxo de caixa livre da empresa num certo período de anos (10 anos, em geral). Fluxo livre é a capacidade de geração de caixa do negócio, depois do imposto de renda, do pagamento de juros e das despesas para manutenção do negócio.
Até aí, os critérios são razoavelmente objetivos. O número final depende de algumas hipóteses para a economia, para o setor e para a empresa. Sabendo-se os critérios usados, qualquer um pode concordar ou discordar de alguma hipótese e chegar a seu próprio resultado.
Supondo-se que a projeção do fluxo de caixa foi cuidadosa, falta a segunda parte: trazer este número a valor presente, utilizando uma certa taxa de desconto. Aí entra um grau maior de arbitrariedade. A taxa de desconto depende da avaliação do retorno de uma aplicação alternativa, a uma certa taxa de risco.
No caso da Light, a taxa de desconto utilizada foi de 10,69% ao ano. Determinado o fluxo de caixa e a taxa de desconto, chega-se ao valor de venda da empresa -no caso, R$ 2,4 bilhões.
Isso quer dizer, em outros termos, que, se as projeções estiverem corretas, o retorno do investimento será de 10,69% ao ano durante um certo número de anos. Comparado ao que o próprio governo brasileiro paga por seus papéis, mais de 20% ao ano, parece um retorno pífio. O mercado diz que só uma taxa de desconto de 18% ou 20% valeria o esforço de comprar a Light.
A diretora do BNDES, Elena Landau, discorda, lembrando que o risco da Light é baixo e o retorno certo, já que o setor é monopolista. A remuneração exigida pelo Banco Mundial para empresas do setor, por exemplo, é de 10%. Além disso, esta foi a taxa usada no caso da Escelsa e seria difícil, politicamente, justificar um aumento no caso da Light.
A taxa de retorno pode superar a taxa de desconto se o investidor achar que o governo subestimou as projeções de caixa, ou que a empresa é tão ineficiente que os ganhos de produtividade podem ser enormes. A Light, neste sentido, por ser mais eficiente do que era a Escelsa, oferece menos chances de ganhos extras.
O outro problema grave na venda da Light, que afeta seu preço e o interesse dos investidores, é a indefinição do marco regulatório do setor, em discussão no Congresso. O BNDES definiu que a tarifa será reajustada pela inflação (IGP) durante 8 anos. Depois disso, fixa-se nova política para o período seguinte, conforme as condições de mercado e da empresa: a tarifa pode subir ou descer em termos reais.
Até aí, tudo bem. Esta é a política aplicada, com sucesso, em vários países. A questão é saber quem vai definir a tarifa depois de oito anos. Um Dnaee independente ou subordinado ao governo?
Sem ter pistas sobre esta questão, o investidor está fazendo uma aposta no escuro. E quanto maior o risco, menor o preço que se pode pedir.
O drama é que, se o BNDES fosse esperar a definição final no Congresso, acabaria sendo acusado de emperrar a privatização.

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