São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Debate confronta razão ocidental e o Oriente

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A razão foi objeto de polêmica entre o músico José Miguel Wisnik e o filósofo Gerd Bornheim. A conversa expôs uma diferença irredutível entre uma visão da racionalidade que incorpora as culturas não-ocidentais e outra que vê o Ocidente como berço e destino da razão.
Ambos discutiram o tema anteontem à noite, dentro da série "Diálogos Impertinentes", promovida pela Folha, PUC-SP e Sesc.
O encontro, realizado no teatro do Sesc Pompéia, foi mediado pelo editor de Opinião da Folha, Hélio Schwartsman, e pelo professor do Departamento de Teologia da PUC Mário Sérgio Cortella.
Bornheim, professor do Departamento de Filosofia da UERJ, cobrou de Wisnik, ao longo de todo o debate, uma posição "mais histórica" sobre a razão, acusando-o de suprimir as diferenças em nome de uma suposta "perenidade".
Wisnik, que leciona literatura brasileira na USP, rebateu as acusações dizendo que sua concepção de razão estaria muito ligada "ao mundo da escrita", do qual a civilização greco-romana seria o exemplo mais acabado.
O debate oscilou sempre entre exemplos de manifestação da razão tirados da música e da filosofia, áreas de atuação dos convidados.
Wisnik tomou o sistema tonal da música como um dos paradigmas da razão ocidental. "Entre os séculos 9 e 17, o sistema tonal foi sendo construído até desembocar em Bach, que pôde fazer o que fez porque recebeu um código preparado durante séculos. Ele foi o auge e o limite de uma racionalidade que se constituiu questionando seus próprios fundamentos. A razão ocidental se desenvolveu dessa forma, pondo em xeque os seus princípios", disse Wisnik.
Segundo ele, "a partir do século 18, com Beethoven, e principalmente com seus sucessores como Wagner, o tonalismo incorpora a dissonância, torna problemática a estabilidade harmônica, até chegar às experiências do século 20, que demandam uma saída que extrapola seus fundamentos".
Bornheim questionou Wisnik. Disse que ele generalizava o sistema tonal em detrimento de uma visão histórica que tornaria possível entender a "profunda mudança da racionalidade que se opera entre Bach e Beethoven".
O debate esquentou a partir do terceiro bloco do encontro, quando o século 20 entrou na discussão.
"O século 20 é de um racionalismo extremo. Pode-se falar hoje, usando uma expressão hegeliana, numa razão objetiva. O homem vive dentro de um sistema que se caracteriza por um racionalismo muito, muito desenvolvido", defendeu Bornheim.
Exemplificando sua posição, Bornheim disse: "Quando vou ao banco, ao supermercado ou aqui mesmo, estou num sistema. Essa presença do sistema é tão avassaladora que quando um autor se insurge contra isso, fico me perguntando em que realidade ele vive".
Contrapondo-se ao filósofo, Wisnik relativizou o racionalismo do século 20. "Nós estamos vivendo uma mutação antropológica que desafia a razão do mundo da escrita, a razão linear e a razão que supunha uma autonomia. Pode haver um desgarramento do tecido social se nós, enquanto animais simbólicos, não conseguirmos elaborar essa situação", disse.

Texto Anterior: "Terra Estrangeira" vai a San Francisco; Estréia nos EUA novo "As Diabólicas"; Rob Reiner dirige comédia de mulheres; Sting, mulher e filho terminam novo filme
Próximo Texto: Maisky volta a tocar em SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.