São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
Próximo Texto | Índice

Waly Salomão realiza sonho de ser "poeta de livro"

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

O escritor e compositor Waly Salomão, diretor musical e autor de letras fundamentais da MPB, como "Vapor Barato" e "Negra Melodia", está realizando um sonho de infância: ser "poeta de livro".
"Sim, poeta que tem seus versos em livros. Veja você que quando eu era menino, na Bahia, pedi que no meu aniversário, acho que de sete anos, meu bolo fosse um livro. De maneira que agora estou realizando este sonho."
O sonho se concretiza em "Algaravias - Câmaras de Eco" (82 págs., ed. 34), que reúne 23 poemas da produção recente de Salomão, lançado na próxima semana no Rio.
O título remete à ascendência árabe de Salomão, filho de sírio com baiana, e refere-se a uma linguagem falada por árabes, de difícil entendimento. Algaravia quer dizer também aquilo que se diz ou se escreve e que é difícil de entender.
Ou ainda, como diz Waly Salomão no seu "Poema Jet-Legged", algaravia "é quando as coisas perdem as vírgulas que as separam". Mas é o sentido da mistura, da miscelânea que liga o nome ao livro.
"Gosto da hibridização. Sou o contrário de outros poetas que pregam a pureza e a separação dos segmentos. Isto, num extremo, pode dar até em limpeza étnica, nacionalismo, cabotinismo. Prefiro propugnar a hibridização, a interfusão dos meios, a fusão da linguagem".
Agora poeta em tempo integral, Salomão exemplifica com um trecho de "Domingo de Ramos" (poema, aliás, dedicado ao parceiro e filósofo Antonio Cícero): "...Ele simula/ através do Livro do Caos/ o delírio demiúrgico/ de que as hélices do helicóptero/ são as provocadoras/ das ondas do mar."
Poderia citar outro trecho do mesmo poema, em que se define como "... o amalgâmico/ o filho das fusões/ o amante das algaravias/ o sem pureza".
Never say never
Para se dedicar unicamente à poesia, Salomão teve de abrir mão do seu lado mais conhecido, como letrista e diretor de espetáculos musicais -já foi responsável por shows de Gal Costa e Maria Bethania, entre muitos outros.
Isso ocorre não apenas para a realização do tal sonho infantil, mas a partir de uma conclusão bastante dura: "A taxa de vulgaridade e banalidade no show-biz brasileiro atingiu patamares inaceitáveis", diz Waly, sem entrar em detalhes.
Prefere apenas definir sua decisão como uma "medida de preservação evolutiva". É um caminho sem volta? "Eu partilho do pensamento de James Bond: 'Never say never' (nunca diga nunca)".
Em seu quarto livro -os anteriores foram "Me Segura Que Eu Vou Dar Um Troço" (1972), "Gigolô de Bibelôs" (1983) e "Armarinho de miudezas" (1993)-, o trabalho de Salomão é introduzido por dois textos críticos. Um de David Arrigucci Jr. e outro de Antonio Medina Rodrigues.
"Resolvi instaurar uma instância crítica entre o leitor e o poema", justifica. Uma instância, aliás, que dá mais visibilidade a brocados sutilmente aplicados aos poemas.
Veja este raciocínio de Medina Rodrigues: "... o que nós vamos ver no lirismo quase-íntimo de Waly Salomão é uma economia sutil das compensações, onde se exige primeiro a elevação, e depois o sacrifício da realidade: assim, se, por um lado, Waly tem a paixão épica do espaço, por outro lado, a intimidade amordaçada vai palpitar que o mundo também se converta em cinza e amargura".
Salomão chega a este livro com duas constatações excludentes: a descontinuidade da publicação de seus escritos ao longo de sua vida e, agora eliminando esta idiossincrasia, a "lua de mel" que diz estar vivendo com o mundo editorial.
Está em plena produção: "Já tenho mais 35 poemas prontos, o ponto de partida para o próximo livro, que deverá sair em em março do ano que vem", diz um agora poeta de livro Waly Salomão.

Próximo Texto: Autor faz biografia de Oiticica
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.