São Paulo, segunda-feira, 1 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Thomas se torna aceitável, com 'Nowhere Man'

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Gerald Thomas está de mentira nova. Com a vantagem, agora, de que é engraçado, faz rir, na trilha aberta por Antunes Filho.
O diretor, que ainda se diz um "criador", transformou a caricatura odiosa que faziam dele no teatro, quando surgiu e até pouco tempo atrás, na máscara nova.
Fez de si mesmo -ou do que diziam dele, agora tomado por ele como verdade- tema de piada, espetáculo de auto-análise ou autocomiseração.
Assim, em uma cena, o protagonista de "Nowhere Man" fica horas tentando impressionar um velho filósofo, citações mil, frases elaboradas, para descobrir, no final, que o interlocutor é surdo.
É uma gague, para fazer rir, externa à ação e com traços de cinema mudo, como em "Transilvânia", de Antunes -uma gague que Luís Damasceno, no papel de Gerald Thomas, faz como ninguém, contracenando com a platéia.
O ator sempre foi o de maior empatia e comicidade, na companhia do diretor, e agora ganha a boca de cena. Mas, pela primeira vez, Gerald Thomas estréia isolado, sem uma primeira atriz, e como que pedindo aceitação.
A situação de isolamento talvez explique peça tão autopiedosa. Sempre foi a regra, nas montagens dele, o protagonista ou o próprio diretor referir-se a si mesmo o tempo inteiro como "gênio".
Mas os rompantes de "gênio", na expressão citada em auto-referência uma dúzia de vezes, em "Nowhere Man", agora vêm atenuados. Em parte pelas gagues, mas sobretudo pela autopiedade.
"Ele tinha a impressão de ficar cada vez menor", diz o próprio diretor, falando de si mesmo. É emocionante para ele, diante do que era e do que é. Mas é patético, diante a revisão que a peça faz de sua carreira desde a entrada da década de 90.
As peças "M.O.R.T.E." e "Fim de Jogo" são citadas em "Nowhere Man". A primeira atriz, a musa, talvez Bete Coelho, de quem Gerald Thomas se separou em "Fim de Jogo", está em cena, morta, depois acorda.
Acorda, na interpretação de Milena Milena, mas para dar vida à nova máscara. Agora Gerald Thomas é aceitável, é o que queriam.
Ainda tem cenas de impacto visual, sensorial, como Milena Milena dançando nua, no final, ao som da canção popular.
Mas a nova máscara, como antes, pedante, em "Um Processo" ou depois, sarcástico, em "Flash and Crash", é apenas a mentira nova. Não à toa, uma farsa.

Texto Anterior: CLIPE
Próximo Texto: Paulinho da Viola sai do recolhimento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.