São Paulo, terça-feira, 2 de abril de 1996
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Os riscos da embalagem

ANDRÉ LARA RESENDE

Por incrível que pareça, durante muitos anos se estudou macroeconomia com modelos de economias fechadas -isto é, como se não houvesse comércio e fluxos de capitais entre países. Rudi Dornbusch é autor de algumas das mais importantes contribuições teóricas para a moderna macroeconomia aberta -ou seja, a que, com maior grau de realismo e propriedade para os problemas de hoje, assume que as economias são interligadas por fluxos internacionais de comércio e de capitais.
Hoje, Dornbusch faz milagres para conciliar suas responsabilidades acadêmicas no MIT com uma agenda de consultor internacional extraordinariamente ativa. Ao se convidar um acadêmico para falar para uma audiência de homens públicos ou de negócios corre-se quase sempre o risco de assistir a uma sessão de sonoterapia de grupo.
Dornbusch, entretanto, concilia duas características que nem sempre andam juntas: competência teórica e a capacidade de falar para homens práticos de forma clara e estimulante.
Dornbusch esteve na semana passada em São Paulo e, numa entrevista a Celso Pinto, fez declarações aparentemente polêmicas.
Digo aparentemente e explico. Vejamos o que disse o professor. Cito, quase que literalmente, suas palavras.
Antes de mais nada que o Brasil não está à beira de um colapso do tipo mexicano. Falta, entretanto, completar a estabilização. É preciso reorganizar as contas públicas, fazer um esforço importante de privatização e implementar uma ampla reforma do Estado com a descentralização e a construção de instituições adequadas. Só assim o Brasil poderá voltar a crescer à sua taxa histórica potencial, perto dos 7% ao ano, sem o que não será possível reduzir a pobreza na velocidade devida.
O setor exportador deve ser o propulsor do crescimento e não os juros pagos pelo governo para financiar seu déficit. Cortar os juros com a atual situação fiscal seria, entretanto, um problema. Não se deve mover só uma peça, mas todas juntas.
Uma maxidesvalorização não é uma boa idéia, mas ganhar um pouco no câmbio de forma pragmática é o que deveria ser feito em conjunto com a reforma fiscal e a aceleração da privatização. Sem a correção fiscal, mesmo o pequeno e pragmático ganho no câmbio seria perigoso: a inflação aumentaria sem nenhum ganho do outro lado.
O país precisa de um novo projeto. A educação, tão negligenciada no Brasil, é um item fundamental dessa agenda onde o papel do setor público é essencial.
Muito bem, rigorosamente tudo o que está dito acima não apenas seria -acredito- subescrito pelo ministro Malan como tem sido sistematicamente repetido por ele. Por que então a polêmica? Só há uma explicação.
Dornbusch, um homem de seu tempo, sabe que a embalagem é a alma do negócio. Ou, ainda, que sem divulgação não há produto, ou idéia, por melhor que seja, que venda.
Assim sendo, o professor vestiu suas observações de tinturas críticas, sugeriu que Gustavo Franco fosse condecorado e mandado para casa, que quem defendesse que não se pode crescer porque se está lutando contra a inflação deveria ser mandado para o zoológico e deu margem para que a chamada de sua entrevista fosse rigorosamente enganadora: "Dornbusch receita inflação e crescimento". Infelizmente, ele esqueceu que no moderno mundo do marketing corre-se o risco de só se guardar a embalagem.

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