São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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Ameaça não é bobagem

ADRIANA GRAGNANI; NORMA KYRIAKOS

ADRIANA GRAGNANI E NORMA KYRIAKOS
Ameaça é sempre ameaça e ofende a dignidade da pessoa a qual é dirigida

"Não acreditava que ele pudesse chegar às últimas consequência" (Lucineide, assassinada no dia 20 de março pelo ex-companheiro Djalma, segundo versão de sua irmã Lucimar)

Disse um senhor a esse jornal que "A maior parte das ameaças é bobagem". Da mesma forma pensava Lucineide.
Ameaça é sempre ameaça e ofende a dignidade da pessoa a qual é dirigida. A prática do ato ameaçado já é uma segunda ofensa.
Assim, a "maior parte das ameaças" não "é bobagem". No mínimo, é um indicativo de como as pessoas banalizaram o seu comportamento no convívio com outras. Lucineides e Djalmas, infelizmente, integram o nosso cotidiano. E o mais grave é ser considerado como um fato inevitável. Será?
A intensidade da violência praticada com a mulher levou a ONU, na Declaração de Beijing, a reconhecer que se trata de ofensa aos direitos fundamentais da pessoa humana. No Brasil, o tema passou a integrar as políticas públicas.
A identificação dos sujeitos de direito tem sido o desafio aceito pela sociedade mundial. A valorização da identidade de mulheres, crianças, adolescentes, negros, idosos -que sofrem padrões de violência diversos- tem levado as políticas públicas diferenciadas, fato determinante e eficaz nas ações para superação da violência.
Nesse rumo, foi exemplar a criação, há mais de dez anos, das Delegacias de Defesa da Mulher.
Mas, com o decreto nº 40.693, de 01.03.96, as DDMs passam a atender mulheres, adolescentes e crianças, retrocesso que atinge a moderna concepção de direito. Reforça a visão discriminatória da mulher, ao limitar a apuração dos crimes de dano e homicídio ocorridos só no âmbito doméstico.
Finalmente, ao estabelecer atribuições concorrentes entre as DDMs e as demais delegacias, levará ao conhecido jogo do empurra-empurra. Na contramão escolhida, saem perdendo as mulheres, as crianças, os adolescentes, a sociedade, as delegadas, tantas outras Lucineides e Djalmas.

Adriana Gragnani, 42, advogada, e Norma Kyriakos, 56, procuradora do Estado, são integrantes do Núcleo de Estudo da Mulher da USP (Universidade de São Paulo).

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