São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
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Produtividade escorregadia

CELSO PINTO

Qual a produtividade da indústria brasileira?
A resposta a essa questão, crucial para a tomada de decisões de política econômica, especialmente a política cambial, é menos óbvia do que parece.
Se for olhada a medida tradicional de produtividade, ou seja, a comparação entre o valor da produção industrial e o número de empregados, os números são exuberantes.
Desde 1990, quando começou a abertura da economia brasileira, até o final de 1994, a produtividade aumentou 40%, um número extraordinário. Sendo esse o número correto, a indústria brasileira conseguiu ficar 40% mais competitiva, mesmo sem considerar a comparação entre os custos internos (inflação) e os custos dos concorrentes internacionais. Logo, qualquer discussão sobre "atrasos" no câmbio ou necessidade de desvalorizações adicionais devem descontar esse valor.
Será, no entanto, que esse número reflete plenamente a realidade? Um interessante exemplo concreto sugere que não. As empresas do setor químico e petroquímico faturaram US$ 11,7 bilhões em 1990. Desde então, o faturamento caiu abaixo disso entre 91 e 93, voltou a subir em 94 e fechou o ano passado em torno de US$ 13 bilhões. Ou seja, em cinco anos, a indústria faturou mais 11% em dólares.
Enquanto isso, o emprego despencou. O cálculo da Abiquim, a associação que reúne essas empresas, é que o emprego global no setor caiu 48%. Em outros termos, o setor conseguiu aumentar 11% seu faturamento, cortando pela metade o número de empregados. Um exemplo fantástico de aumento de produtividade.
No entanto, olhando melhor o que se passou, começam as dúvidas. No caso de algumas empresas significativas do setor, constatou-se que 28% da redução de empregos representou apenas terceirização. Em outros termos, o que a empresa fazia em casa, com seus próprios funcionários, passou a comprar de outras empresas. Muitas vezes, pequenas empresas montadas pelos próprios funcionários demitidos. Isso quer dizer que o aumento de produtividade foi, de fato, menos da metade do que seria possível medir comparando apenas o valor da produção por empregado.
Os economistas Affonso Celso Pastore e Maria Christina Pinotti já haviam chamado a atenção, há algum tempo, para esse fenômeno. Desde meados da década passada, tem crescido substancialmente o número de trabalhadores autônomos e informais em relação aos formais (hoje já são 55% do total).
Ao mesmo tempo, sumiram empregos do setor industrial e cresceram os do setor de serviços. Substituir trabalhadores com carteira assinada por trabalhadores informais, ou demitir funcionários e contratar seus serviços como autônomos (ou micro-empresários) é uma forma de contornar os custos e encargos trabalhistas. Até melhora a produtividade das empresas, mas não na proporção indicada pela comparação entre produção e número de empregados.
O economista Edward Amadeo acrescenta um terceiro fator nessa discussão. Ele argumenta que a abertura comercial acelerada, ao levar as empresas a importar bens de capital e bens intermediários, pode levar a um aumento do valor da produção, sem que haja um aumento do valor adicionado na produção da economia.
Quando a produtividade real cresce, há um ganho de emprego na economia como um todo, já que o aumento da competitividade leva a um aumento da produção. Quando o aumento se dá pela importação de bens intermediários, partes e componentes, cai o valor adicionado na produção da indústria como um todo, afetando o nível de emprego.
Amadeo reclama que não há dados disponíveis recentes que permitam estimar a evolução da produtividade pelo critério do valor adicionado e não do aumento da produção sobre total de empregados. Pela aceleração das importações, argumenta, certamente ele foi afetado nos últimos anos.
Esse não é apenas um exercício acadêmico de economistas. O diretor da Área Externa do BC, Gustavo Franco, argumenta, por exemplo, que não seria preciso mudar o câmbio neste ano porque, comparando a inflação no Brasil e nos Estados Unidos e a diferença do nível de produtividade, não há nada a corrigir.
Que houve aumento de produtividade, ninguém duvida. Quanto foi, é uma outra questão.

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