São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
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Dornbusch para presidente

MAILSON DA NÓBREGA

O economista e professor alemão Rudiger Dornbusch é conhecido por sua contribuição ao estudo da macroeconomia e por um famoso livro-texto sobre o mesmo assunto, escrito em parceria com Stanley Fischer.
Ele também se tornou um conferencista muito requisitado, dada sua capacidade de analisar tendências da economia internacional.
Seu próximo laurel poderá ser o da competência para atrair a atenção do distinto público brasileiro mediante o lançamento de idéias polêmicas sobre a economia.
De fato, a cada visita, o senhor Rudiger Dornbusch encontra algo errado por estas plagas, não importa quem esteja no governo ou qual seja o ambiente político.
Tudo é feito com muita habilidade. O resultado é uma estrondosa entrevista, que costuma servir de pauta para outras matérias, amplificando sua exposição à mídia.
Desta vez, a entrevista aconteceu na edição do último domingo da Folha. No geral, ele disse um monte de coisas sérias, muito familiares a qualquer principiante na arte de entender a economia brasileira.
Falou que era preciso fazer o ajuste fiscal, privatizar, reformar o Estado e quejandos, aqueles pontos em que a maioria está de acordo, salvo certos políticos e membros da confraria do corporativismo e do clientelismo.
Demonstrou desconhecimento das restrições institucionais e políticas à realização das reformas, mas isso é até perdoável a um estrangeiro pouco familiarizado com nossas complexidades.
Depois disso, desandou. Afirmou que o foco na estabilidade monetária é estúpido e insinuou que os integrantes do governo são burros, sugerindo a ida para o zoológico dos que teimam em continuar combatendo a inflação.
Defendeu a indexação da taxa de câmbio. Debochado, propôs que se condecorasse um diretor do Banco Central e se o mandasse para casa. Remover-se-ia o símbolo da resistência à desvalorização.
A entrevista deve ter sido um bálsamo para os partidários da cretina tese de que o Brasil precisa de inflação para crescer. Fora de moda depois do Plano Real, eles podem comemorar a entrada do senhor Dornbusch para o clube.
O senhor Dornbusch propôs sem rodeio uma inflação anual de 25%, que seria no seu entender compatível com o crescimento econômico de 7% ao ano.
Faltou mencionar o risco de uma inflação desse nível, que significaria triplicar os preços a cada triênio. Ele não forneceu, junto com sua receita, as prescrições para evitar os efeitos colaterais da reindexação da economia.
Poucos analistas que entendam de Brasil terão dúvida em afirmar que seria elevada a probabilidade de ressurgirem os adormecidos mecanismos de indexação, trazendo mais tarde de volta o processo hiperinflacionário.
A experiência brasileira recente já mostrou à larga as consequências negativas do desenvolvimento a qualquer preço: o PIB cresce no início, mas depois aparece a combinação perversa de inflação com estagnação.
A conta desse "crescimento com inflação" do senhor Dornbusch seria paga pelos pobres, que não conseguem proteger sua renda em ambiente de inflação elevada.
A idéia é, na verdade, uma cândida defesa de ganhos para os ricos. Até as pedras começam a entender que a nossa vergonhosa concentração de renda tem a ver com inflação e intervenção estatal.
O governo, sem dúvida, tem errado. Tirando os erros crassos, que não são muitos, os demais são compreensíveis na atual realidade brasileira.
A proposta inflacionária do senhor Dornbusch não é, entretanto, uma saída para tais erros. É populista.
Custa crer que ela tenha sido apresentada por quem escreveu tão bem sobre o populismo na América Latina, mostrando seus terríveis desdobramentos.
A entrevista parece uma plataforma eleitoral, daquelas apresentadas por demagogos e líderes irresponsáveis do Terceiro Mundo.
Não fossem a nacionalidade e o domicílio eleitoral, talvez alguém já estivesse lançado a candidatura do senhor Dornbusch à presidência da República.

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