São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
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SOS São Paulo

ABRAM SZAJMAN

Alguma coisa acontece no meu coração, e não só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João, como na canção de Caetano Veloso.
Para quem nasceu e cresceu nesta São Paulo, vendo-a transformar-se no maior pólo econômico do país, dando oportunidades aos que para aqui vieram de todas as partes do Brasil e do mundo, é muito triste confrontar-se com a atual realidade: a cidade que não podia parar está parando, literalmente.
Todos os dias os paulistanos olham para o céu, preocupados. Quando a chuva cai, é o caos: as ruas se alagam, os rios transbordam, os congestionamentos sobem dos "normais" 20 ou 30 quilômetros para uma centena ou centena e meia.
Presos nos carros ou em ônibus, trabalhadores perdem o horário, empresários se atrasam para reuniões ou perdem negócios, o sistema de saneamento entra em colapso, bairros inteiros ficam sem energia elétrica, populações ribeirinhas e de áreas de enchentes crônicas perdem todos os seus parcos bens e passam a conviver com o risco das epidemias.
São Paulo, nas últimas décadas, deixou de ser uma cidade eminentemente industrial, fator responsável por seu extraordinário desenvolvimento na primeira metade deste século. Mas manteve sua posição de terceiro maior orçamento do país e de responsável por uma importante parcela do PIB brasileiro.
Os postos de trabalho perdidos na indústria de transformação, que migraram para outras cidades e Estados em busca de melhores condições de infra-estrutura, foram mantidos na construção civil e recuperados, em grande parte, no setor terciário, comércio e serviços.
Isso quer dizer que a cidade mudou, necessitando de um tipo diferente, mais ágil e estável, de infra-estrutura urbana, para atender às transformações de sua base produtiva.
As comunicações tornaram-se vitais para uma metrópole que assumiu o papel de eixo estratégico fundamental do Brasil e do Mercosul nas áreas financeira, de comércio e serviços (cada vez mais especializados e diferenciados), na promoção de congressos científicos e exposições, na organização de megaeventos esportivos e culturais.
A estabilização da economia proporcionada pelo Plano Real exigiu ainda mais da exaurida infra-estrutura urbana.
Em menos de dois anos, a frota de veículos subiu de 3,7 milhões para 4,5 milhões; os cheques pré-datados em postos de gasolina facilitaram o transporte individual; os baixos estoques com que opera o comércio, no sistema "just-in-time", exigiram maior número de viagens de representantes dos fornecedores e de veículos de carga; e, finalmente, mas não menos importante, o desaquecimento da economia provocou o crescimento da atividade informal, que se espalha não apenas nas dezenas de milhares de camelôs pelas calçadas, mas também por meio das vendas de quase tudo por particulares que utilizam veículos para oferecer produtos de porta em porta.
Nessa situação, e mesmo antes da época das chuvas, o comércio, os serviços e a máquina pública municipal já vinham sofrendo com a precariedade do trânsito; sem falar dos trabalhadores que dependem dos ônibus e que tiveram cada vez mais esticado seu tempo de deslocamento entre casa e trabalho. As enchentes apenas agravaram e deram maior visibilidade a esse caos.
Não se trata, neste artigo, de criticar a atuação da prefeitura de São Paulo.
Trata-se, isto sim, de alertar todas as autoridades envolvidas, municipais, estaduais e federais, e a sociedade brasileira em geral de que os problemas de São Paulo são bem maiores do que sua prefeitura e não menos graves do que os do Rio de Janeiro, que contou com ajuda de outras esferas governamentais para enfrentar alguns de seus maiores desafios.
A situação de São Paulo é até mais crítica porque a sociedade civil da cidade não está mobilizada, seja para pôr fim à violência que já ceifa mais de meia centena de vidas a cada fim de semana, seja para cobrar das autoridades providências concretas.
Não é preciso ser especialista. Basta viver nesta cidade para enumerar algumas: urgente retomada das obras do Metrô, que opera apenas 43 quilômetros, de cinco a dez vezes menos do que em Nova York, Paris ou mesmo Buenos Aires; construção do anel viário de interligação das principais estradas por fora da capital, retirando das marginais do Tietê e do Pinheiros cerca de 50% do tráfego pesado, que é de "passagem"; aprofundamento da calha do rio Tietê, para combater as enchentes; ampliação e adequação do sistema viário urbano; reaparelhamento da polícia, que não tem viaturas nem munição; estímulo aos investimentos produtivos que gerem empregos; e assim por diante.
São Paulo ainda é a melhor vitrina do Brasil desenvolvido, do Brasil moderno. Permitir a sua deterioração é comprometer a imagem deste país moderno que pretendemos ter; é transformar nosso maior conglomerado urbano numa bomba social, que pode explodir, com consequências dramáticas e perversas para todo o país.

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