São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dissidente da dança critica a arte na Rússia

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Maya Plisetskaya é um dos mitos do balé russo. Aos 70 anos, ela continua dançando e criando polêmica com suas críticas, endereçadas principalmente ao Ballet Bolshoi, onde reinou como primeira-bailarina a partir de 1945.
Embora morando na Alemanha ("está impossível viver na Rússia"), ela dirige atualmente o recém-fundado Ballet Imperial Russo, formado por solistas de companhias como o Ballet Bolshoi e o Teatro Stanislavsky.
Junto com o elenco, Maya dança dias 9 e 10 de abril em São Paulo, no Palace.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, traduzida do russo por Zóia Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes.
*
Folha - Como surgiu o Ballet Imperial Russo?
Maya Plisetskaya - Hoje a situação do balé na Rússia está muito difícil. O Ballet Imperial Russo surgiu por causa da atual necessidade de se fazer algo novo e bom.
Folha - Como você vê a situação atual do balé russo?
Maya - No Bolshoi, particularmente, não há nada de bom. Quem pode vai embora para outros países.
Folha - A escola russa de balé corre o risco de deixar de ser uma das melhores do mundo?
Maya -O risco é grande. Posso afirmar que o Ballet do Teatro da Ópera de Paris já superou nossa escola. Se o balé russo não mudar o repertório que tem hoje, morrerá em pouco tempo.
Folha - O que diferencia os bailarinos russos dos de outras nacionalidades?
Maya -Temos uma tradição muito antiga, de mais de 200 anos. Só o Bolshoi tem 220 anos. A escola russa de balé começou e se desenvolver com a vinda de melhores professores do Ocidente, principalmente da Itália e França.
Eles se enraizaram na Rússia porque no país gostava-se de balé e havia teatros maravilhosos, como o Bolshoi e o Maryinsky (sede do Kirov).
Também foi importante para este desenvolvimento a revolução provocada por Agripina Vaganova (1879-1951), que foi uma professora genial e ensinou todos a dançar.
Se ela tivesse deixado a Rússia, com a revolução comunista de 1917, talvez o balé não existisse no país.
Folha - Como está o Ballet Bolshoi hoje? Ainda é mantido pelo governo?
Maya - Sim, ainda é mantido pelo governo, senão teria desaparecido por completo há muito tempo. Tiraram Yuri Grigorovich, que destruiu o grupo em seus 30 anos como diretor, e em seu lugar colocaram o bailarino Vladimir Vasiliev, que consegue ser ainda pior.
Vasiliev e Vatcheslav Gordeyev, seu assistente, não prestam para nada, não podem ser diretores. Se sentem donos do teatro, não sabem fazer um espetáculo.
Folha - São famosas suas interpretações dos personagens de Shakespeare. O que faz você se identificar com ele?
Maya - A minha identificação não é com Shakespeare e sim com os destinos dramáticos dos seus personagens. Sempre me interessei pela dramaturgia, por dramas. Fosse "Romeu e Julieta" ou qualquer outro espetáculo dramático.
Como não me submeto ao pensamento dos outros, também tenho opinião própria sobre as obras de Shakespeare que, para mim, foram escritas por Maria Stuart (decapitada pela prima Elizabeth I, que roubou-lhe o trono da Inglaterra).
O bauzinho de Maria, onde ficavam os sonetos e as cartas sumiu, e ninguém mais encontrou. Acho que a Elizabeth pegou este bauzinho para ela. E a Maria foi morta.
Dois anos depois, aparece Shakespeare, um jovem de 25 anos, que fica famoso com suas peças... De onde ele veio, caiu do céu?
Folha - Você teve algum problema típico de mulher após os 50 anos, como osteoporose?
Maya - Se tivesse alguma doença, não estaria dançando. Se tive, não percebi. Elas passaram.

Texto Anterior: Cid Moreira deixa de ser a estátua agourenta
Próximo Texto: Coreógrafos são inéditos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.