São Paulo, sábado, 6 de abril de 1996
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Função de governo

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O juiz não é, nem pode ser, inteiramente apolítico nem mesmo quando diga detestar a política. Mais liberal, menos liberal, mais ou menos "escravo da lei", inteirado ou alheio às dificuldades da vida em seu entorno, o juiz retrata posições políticas em cada sentença, ainda que não seja filiado a qualquer partido.
Não confundamos, pois: a distância mantida quanto à atividade político-partidária, distância que integra os deveres e a disciplina do juiz, nada tem a ver com o suposto magistrado apolítico.
O julgador, enquanto agente da Justiça Oficial, é um órgão legislativo de governo para cada caso concreto. A sentença faz a lei no processo em que é proferida, absolvendo ou condenando o acusado, dando a vitória ao requerente ou ao requerido, decidindo contra ou a favor da Fazenda Pública.
Todavia, o Judiciário não cumpre "satisfatoriamente seu papel". Falta-lhe eficiência e visão crítica para a justa solução dos conflitos", reconheceu Urbano Ruiz, na solenidade de abertura do Segundo Seminário Internacional sobre a Independência Judicial na América Latina, esta semana, ecoando uma impressão geral. Criticou a deficiência no sistema educacional que transforma o magistrado em agente "reprodutor das injustiças do sistema."
O seminário ultrapassou os limites do título que lhe foi dado, mostrando a preocupação geral dos participantes com o papel que a magistratura deve representar na sociedade contemporânea. Os que chegam ao Judiciário estão insatisfeitos com a resposta obtida. Os que não chegam estão insatisfeitos com a injustiça da exclusão.
Ruiz reconheceu que os problemas advindos da lentidão, do congestionamento, do altíssimo custo das demandas desestimulam o ingresso em juízo, impedindo que a magistratura realize seu papel de produtor da certeza jurídica, com a qual resolve os conflitos e gera a paz.
Sendo o juiz um ser integrado na sociedade em que vive, deve, necessariamente, ter uma visão crítica de seus problemas, visão crítica que pode e deve expor livremente. Ruiz espera da cúpula do Judiciário, que seus "dirigentes, entendam que o juiz, como cidadão, tem liberdade de expressão e por isso, nessa qualidade, deve expressar-se por intermédio dos meios de comunicação, sem que seja censurado ou tolhido".
O juiz não pode manifestar-se de público a respeito de questão concreta que deva julgar, mas isso não o impede de opinar livremente sobre os demais fatos de seu tempo.
Há magistrados que agem no grupo social, como se eles, suas mulheres e seus filhos não saíssem de casa, não fossem à feira, à escola, ao cinema, como se não conhecessem, enfim, as agruras da vida contemporânea, no transporte público, na insegurança urbana.
Urbano Ruiz anotou, naquela oportunidade, que o juiz, ao "discutir a impunidade, a violência, a corrupção e a desorganização dos serviços públicos, o faz porque é cidadão". Tocando em problema vivido em São Paulo negou que a corregedoria e os órgãos disciplinares, sejam competentes para punir o magistrado que expõe idéias, "porque não está praticando atividade atinente ao exercício profissional".
A regra constitucional da liberdade de manifestação do pensamento não exclui o magistrado. Se o juiz pensa e tem posição sobre os fatos que acontecem a sua volta, em todo direito de dizê-la, sem censura.
Além de órgão de governo, o Judiciário é um serviço público remunerado pelo contribuinte, com deveres de eficiência, de qualidade profissional em face de sua clientela. Urbano Ruiz anotou a relevância da eficiência dos serviços prestados, mas acrescentou: "os juízes têm de atuar criticamente, no sentido de garantir os direitos que conduzam à cidadania, à criação de uma sociedade mais solidária e justa." Nada mais certo.

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