São Paulo, sábado, 6 de abril de 1996
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Dar a vida

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Há expressões que podem, às vezes, perder sua beleza e valor, não só pela rotina, mas porque não damos a elas o devido valor. Parece que, ocupados por tantas coisas, não nos deixamos impressionar pelos grandes acontecimentos.
Isso pode suceder no âmbito da fé. Desde crianças ouvimos a narração da morte de Cristo por nós. Esse fato sublime deveria marcar, de modo indelével, a nossa existência. Será que percebemos toda a transcendência desse evento?
Dar a vida é entregar não só os próprios bens, o tempo, o trabalho, mas é morrer em lugar do outro. Lembramo-nos dos grandes atos de generosidade em defesa da pátria ou arriscando-se para salvar pessoas em naufrágios, incêndios ou epidemias.
Quem coloca, assim, sua vida em risco, demonstra a força de seu amor e idealismo. Quando os sacrifícios, assumidos com liberdade, são extremos, aparece a verdade e a plenitude da doação.
A Semana Santa nos ajuda a meditar mais uma vez nas dores de Maria e no mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Nesses dias, peçamos a Deus a graça de compreender melhor o infinito amor de nosso salvador. Deu-nos a plenitude da vida.
Valho-me de uma comparação simples. Há dias visitei uma família. No decorrer da conversa, a mãe mostrou-me a fotografia dos sete filhos. "Graças a Deus", disse, "todos estão com saúde, mas são o fruto de muito amor".
Contou-me, então, como, por causa da gravidez de alto risco, tinha precisado permanecer longos meses deitada. Para os últimos dois filhos foram necessários cinco meses no leito, a fim de não perdê-los durante a gravidez.
A mãe não pensava mais nos sacrifícios. Alegrava-se porque, com muito afeto, tinha dado a vida a cada um deles. Os filhos, já crescidos, recordavam como tinham sido gerados e dedicavam à mãe um imenso amor e gratidão.
Coloquemo-nos, também nós, diante de Cristo que nos gera para a vida, flagelado, coroado de espinhos, traído pelos discípulos, morrendo por nós. Entregou-se por amor, para obter o perdão de nossas faltas, livrar-nos da morte eterna e reconciliar-nos com Deus e entre nós.
Qual deveria ser o nosso reconhecimento por tão grande amor? É essa resposta que cada um de nós é convidado a dar, revivendo os passos da paixão e a palavra de Jesus na cruz. Procuremos oferecer nosso arrependimento, receber o perdão e assumir a vida nova à luz do amor de Cristo.
O apóstolo são João revela todo alcance que deve ter a nossa resposta: "Jesus deus a vida por nós; também nós devemos dar a vida pelos irmãos" (1 Jo 3,16).
Eis aí a fórmula do cristão. "Amor com amor se paga". A retribuição devida a Deus Ele quer que nós a demos, fazendo o bem uns aos outros.
Cristo, vitorioso do pecado e da morte, vence em nós o egoísmo e abre-nos ao amor fraterno e ao gesto do lava-pés. Daqui para a frente, amar a Deus e ser feliz se identificam com a alegria de dar a vida a todos, pelo serviço humilde e generoso, a começar dos mais necessitados.
O pão repartido, a visita ao encarcerado, o acolhimento à criança abandonada, a flor do perdão, sete vezes renovada, todo gesto de amor e esperança que faz viver o irmão é sinal de gratidão e louvor a Cristo.
Feliz Páscoa!

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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