São Paulo, sábado, 6 de abril de 1996
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Mania de grandeza

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Em final dos anos 60, desembarquei em Havana num complicado roteiro: Paris, Praga, Varsóvia, Moscou e Murmansk -escala no Círculo Ártico que fazia uma espécie de ponte aérea entre Cuba e a então União Soviética. Enfrentara diversas moedas, mas como levava alguns dólares, podia ser considerado um visitante abonado.
Por exemplo: caí na asneira de trocar US$ 100 para passar uns dias em Varsóvia. Recebi um mundão de moeda local e não consegui gastar a fortuna que veio parar no meu bolso. Passei a peru, caviar e champanhe, nem assim consegui me livrar daquelas notinhas sujas e suadas.
Eis que chego a Havana e me surpreendo com o câmbio local: o peso estava ao par com o dólar. Um táxi do aeroporto José Martí ao Habana Libre (ex-Habana Hilton) custava os olhos da cara.
Como ia numa espécie de missão oficial (era jurado dos prêmios Casa de las Americas), recebi um cartão e praticamente nada mais gastei, peguei a maior boca livre da história do socialismo mundial.
Passei a compreender muita coisa do que acontecia naquele tempo, a morte de Guevara, a invasão da Tcheco-Eslováquia, a guerra do Vietnã, a crise dos mísseis de 62, aprendi mais e melhor do que pretendia.
Só não consegui compreender como o peso cubano valia tanto quanto o dólar. Explicaram-me que Fidel recebia uma ajuda, coisa de US$ 1 milhão por dia. Donde se podia concluir que a moeda cubana estava sendo subsidiada pelo ouro de Moscou, embora nada se pudesse comprar com ela, a não ser charutos.
Pulo de Cuba dos anos 60 para o Brasil dos anos 90. Nossa moeda mantém paridade com o dólar. Lá fora ninguém acredita nisso, pensa que é chute do viajante, mania de grandeza que persegue os povos latinos. Como não mais existe o ouro de Moscou, fico sem saber como a fatura está sendo paga. Sei apenas quem a pagará: nós todos, num dia que não deve estar longe.

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