São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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O mundo não é o Mercosul, diz Menem

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

A Argentina não depende do Brasil para colocar seus produtos e contabilizar um saldo positivo em sua balança comercial. Nem depende do Mercosul para crescer.
Com afirmações como essas, o presidente argentino, Carlos Menem -presidente neste semestre do Mercosul-, abandonou seu tom habitualmente cordial.
Enfrentou com irritação a pergunta sobre uma das teses mais discutidas por economistas que avaliaram a balança comercial de seu país em 1995 -a da dependência em relação ao Brasil.
"Não há esta dependência, à qual maliciosamente fazem referência", afirmou Menem, 65, durante entrevista exclusiva à Folha. "O mundo não se reduz ao Mercosul. O mundo é muito maior", completou logo depois.
Sentado em uma poltrona estilo Luís 15, em vermelho e dourado, Menem chegou a dar pouca importância à visita de Estado que seu colega Fernando Henrique Cardoso inicia amanhã a seu país -e a seu convite.
"É uma visita que se inscreve na série de visitas que permanentemente nós, chefes de Estado, levamos a cabo especialmente nesta região", declarou.
Leia os trechos da entrevista:
*
Folha - Hoje se comemoram cinco anos do Plano de Convertibilidade, que derrubou a hiperinflação, mas impôs, ao mesmo tempo, altas taxas de desemprego. Como o senhor avalia esta situação?
Carlos Saúl Menem - Eu a vejo positiva, mais além de problemas como a taxa de desemprego. As cifras atuais vão de 16% a 14%. Não mais os 18%, o que evidencia uma diminuição deste aspecto.
Mas eu sempre faço referência a outra questão: a diminuição do índice de pobreza. Em 1989, tínhamos 37%. Atualmente temos 13%.
Ou seja, diminuiu em 24% o índice de pobreza na Argentina. Isso significa que há mais trabalho.
O que ocorre é que há uma economia informal muito grande, há muitos trabalhadores sem documentação e muitos patrões que, lamentavelmente, entraram na concorrência desleal.
A convertibilidade foi uma magnifica proposta, que possibilitou à Argentina crescer -com exceção de 1995- uma média de 30% nos últimos cinco anos. E a estabilidade, a convertibilidade, a consolidação da dívida interna, que era um inferno, e a administração da dívida externa nos colocou em uma situação interessante.
Folha - As pesquisas do Indec (Instituto Nacional de Estatísticas e Censo) mostram que a pobreza começou a crescer um pouco em relação a 1993.

Menem - A quanto?
Folha - Está em quase 16%, o mesmo nível de 1993.
Menem - Bom, mas em 1989 estava em 37%.
Folha - Não houve custo social com esse plano?
Menem - O custo social muitas vezes se mede e se determina de acordo com a marcha de um governo e de acordo com a expectativa e o consenso que pode ter esse governo.
A última eleição de 14 de maio nos diz que não há custo social. Ao contrário. 50% de votos a favor do governo nos diz que crescemos nesse aspecto, se levamos em conta que, em 1989, estivemos perto dos 46%.
Folha - A população não poderia estar com mais medo da volta da hiperinflação durante a eleição?
Menem - Por que você não vê o aspecto positivo? (Ri) Temos que ver o que há de positivo neste aspecto. Não vamos pelo que seja possivelmente negativo.
Na realidade, não é por medo que as pessoas votam. Quando você está em um quarto escuro, não há medos possíveis.
Folha - Nos últimos meses, o senhor vem defendendo a diminuição da taxa de juros na Argentina. Menem - Um dos fatores importantes ao desenvolvimento de nosso país é o crédito a baixas taxas. Se não há crédito não há produção. Se não há produção, não há investimento.
As possibilidades da Argentina são excelentes. E nisso creio que tem muito a ver o Mercosul. Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Peru.
Folha - O Chile?
Menem - Em alguns dias mais vamos ter a informação de que Chile se incorpora a uma zona de livre comércio com o Mercosul. E o incremento de comércio entre Argentina e Brasil foi excepcional.
Folha - O senhor crê nessa versão de que a Argentina está dependendo do Brasil, já que 40% de suas exportações em 1995 foram destinadas ao Brasil?
Menem - Não, não creio que a Argentina dependa do Brasil. Ou que o Brasil dependa da Argentina. Essa é uma posição um tanto interessada. A Argentina tem o mundo, excelentes relações políticas e comerciais. E o Brasil, o mesmo.
A Argentina foi grande antes do Mercosul. O Brasil foi grande antes do Mercosul. Não há esta dependência, à qual maliciosamente fazem referência.
Folha - O senhor não acha perigoso que 40% da balança comercial argentina esteja nas mãos do Brasil?
Menem - Antes disso, a balança comercial do Brasil teve um superávit com relação à Argentina. E dependia o Brasil da Argentina?
Folha - Mas a proporção não era semelhante. Não chegava a 40%.
Menem - Mas era uma dependência. Não depende das proporções. Depende simplesmente da possibilidade de colocar a produção no Brasil ou em outra parte do mundo.
Claro que estamos no Mercosul. Para isso o criamos. E a fluidez no intercâmbio comercial é excepcional. Assim como há investimentos do Brasil na Argentina, há investimentos da Argentina no Brasil.
Dentro de pouco tempo, a provisão de gás e de petróleo ao Brasil vai ser uma realidade. Depois, assim que terminemos Yaciretá, a provisão de energia elétrica dessa usina binacional vai parar no Brasil.
Não vamos dizer, então, que o Brasil tem uma dependência energética da Argentina.
Folha - Penso no que passará com a Argentina se o consumo interno do Brasil continuar caindo e se a demanda por produtos argentinos diminuir.
Menem - Colocaremos nossos produtos nos lugares onde tenhamos melhores possibilidades. O mundo não se reduz ao Mercosul.
A Argentina cresceu em outras épocas sem necessitar do Mercosul. A Argentina, em outras épocas, estava colocada entre os dez melhores países da Terra.
Folha - Presidente, o senhor não pretende mudar nada no Plano de Convertibilidade?
Menem - Não, em absoluto. Enquanto eu estiver aqui, o plano vai continuar em vigor e nossa moeda vai continuar a ter o mesmo valor: um dólar/um peso, um peso/um dólar.
Folha - O senhor não pensa em colocar em prática uma fórmula semelhante às bandas cambiais do Brasil?
Menem - Não. Está bem assim para nós e o tema das bandas já conhecemos.
Folha - Mas a moeda não está sobrevalorizada?
Menem - Não. Em todo caso, está sobrevalorizado o dólar.
Folha - Mesmo que, por alguma razão, o ministro Cavallo saia do Ministério?
Menem - Como que saia? Que saia de seu gabinete para vir me visitar?
Folha - Não, que renuncie.
Menem - Não vai renunciar.
Folha - Um dos problemas que pesa para a Argentina é o déficit fiscal.
Menem - Uma coisa é a ineficiência dos gastos e outra, o déficit fiscal. Por exemplo, para um país atender as regras de Maastricht, a dívida externa do país não pode ser maior que 30% e o déficit fiscal não pode ser superior a 3% do PIB (Produto Interno Bruto).
A Argentina tem dívida externa que deve estar entre 28%, 27% do PIB e o déficit fiscal não supera 1% do PIB. Assim, não existe déficit fiscal. Há equilíbrio fiscal.
Folha - Mesmo com a meta de déficit US$ 2,5 bilhões fixada com o FMI (Fundo Monetário Internacional) para 1996?
Menem - Este ano já derrubamos o déficit de US$ 5 bilhões que tivemos em 1994. E, neste ano, tivemos um superávit de US$ 1,2 bilhões.
Folha - Assim que, para o senhor, a questão fiscal não é nenhum problema para a Argentina?
Menem - Não, é um problema para todo o mundo. Mas nós o superamos.
Folha - O senhor disse que está vencendo eleições desde 1987, ou de 1973.
Menem - O que eu disse é que nunca na minha vida perdi uma eleição.
Folha - Agora o senhor pensa em trabalhar para sua reeleição em 1999?
Menem - Não, em 1999, não. Apenas em 2003.
Folha - E o que vai fazer neste período?
Menem - O que fiz o mesmo de antes de ser presidente. Vou atuar ativamente no mundo da política.

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