São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Internet aumenta horizontes do pecador

ROGERIO SCHLEGEL
DA REPORTAGEM LOCAL

A Internet potencializa a capacidade de pecar. Pela rede mundial de computadores, é possível cometer uma variação de pecados em várias línguas, contra "próximos" que podem estar do outro lado do mundo e com requintes de sofisticação.
A soberba é talvez o pecado capital mais presente. Há milhares de home pages (páginas) pessoais, em que o autor conta sua vida, descreve suas preferências e revela o conforto que o cerca, como uma bela casa ou o carro do ano. Tudo com fotos.
Nesse quesito, o candidato ao purgatório é Justin Hall, um norte-americano que, além de se auto-descrever, colocou na rede uma foto de si mesmo pelado.
A foto tem baixa definição, o que poupa o navegante de mais detalhes sobre o corpo do interneteiro.
Nos grupos de interesse (formados em torno de um assunto específico), é comum a troca de informações ser interrompida por sessões de auto-elogios de um ou outro participante do debate.
Aí surge a oportunidade de praticar outro pecado capital: a ira.
"Quando alguém começa a se gabar, um monte de gente parte para cima, com agressões por escrito que são chamadas de 'flames", conta o estudante de engenharia Rodrigo Siqueira.
Grupos de ódio
Há também os grupos exclusivamente voltados ao ódio -que sempre descamba para a ira. Esses sites (endereços) são identificados pela expressão "I hate..." (eu odeio, em inglês).
Não falta companhia para odiar o que quer que seja. Inclusive o personagem Barney, um boneco com forma de dinossauro que anima um programa infantil da TV norte-americana.
"Há quem se preocupe em fazer críticas diárias ou apontar todos os erros de informação do programa", informa Marco Fadiga, 30, gerente da empresa Crosspoint/Avid, que trabalha com edição de imagens de vídeo por computador.
Um grupo de ódio bastante "frequentado" é o que tem como alvo o multimilionário Bill Gates, dono da Microsoft.
Por ali, desfilam impropérios, simples xingamentos e até histórias de supostos filhos não-reconhecidos pelo empresário.
Há consenso entre os interneteiros de que entrar nesse grupo é dar um passo na direção do inferno. As mensagens são pura inveja.
Prato cheio
Para os adeptos da gula, a Internet é um prato cheio. Permite trocar receitas em grupos de interesse, comprar ingredientes do outro lado do mundo e, para os norte-americanos, encomendar comida na pizzaria da esquina.
A luxúria é o mais óbvio dos pecados capitais que têm lugar na rede. Adolescentes passam madrugadas inteiras consultando arquivos com mulheres nuas ou cenas de sadomasoquismo.
O dado de perversão sofisticada é a possibilidade de acesso à pornografia infantil. Bem escondida, ela chega a funcionar como "moeda de troca", segundo Rodrigo Siqueira.
"Quando vejo alguém pedindo um programa pirata e avisando que 'remunera bem', já sei que em troca virão imagens picantes com crianças", explica.
Exercitar a avareza é um pouco mais difícil. Quem pretende incorrer nesse pecado capital pode gastar horas usando a rede para cotar o preço de determinado produto e, no fim, economizar apenas uma dezenas de dólares.
Quanto à preguiça, há outro consenso entre os interneteiros: quem prefere ficar sentado, apertando o botão do mouse até para pecar, nem precisa procurar mais -já terá praticado esse pecado.

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