São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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O novo modelo dos combustíveis

LUÍS NASSIF

A liberação dos preços do combustível, na semana passada, representou o reencontro do país com o modelo de desregulamentação da economia iniciado nos anos 90 -que estava diluído nas idas e vindas que caracterizam o atual governo.
Trata-se de medida de largo alcance, que não foi suficientemente explicada -nem entendida.
Processos de liberação levam, num primeiro momento, a uma certa elevação dos preços. Depois, a um acomodamento. Finalmente, a uma competição que acaba por equilibrar o jogo, obrigando as empresas a buscarem qualidade e competitividade e a colocarem o consumidor como centro de seu planejamento.
O papel do Estado passa a ser, então, garantir a manutenção do ambiente competitivo -investindo contra tentativas de formação de cartel ou interferindo diretamente em regiões afastadas, onde a competição não seja plena.
Seis décadas
Em nenhum outro setor, o histórico controle administrativo do Estado brasileiro foi tão amplo quanto no complexo álcool-petrolífero.
No caso do álcool, desde os anos 30 o governo instituiu controle absoluto, que começava na definição das áreas de plantio e terminava na definição da quantidade que cada produtor poderia vender e do preço que poderia cobrar. No petrolífero, o monopólio impedia qualquer forma de competição.
Aumentos de custos na Petrobrás -seja pela elevação das cotações internacionais de petróleo ou dos salários- acabavam repassados para os preços do álcool. E vice-versa.
Crise dupla
O quadro concreto de hoje aponta para dois problemas que exigem intervenção do governo.
As usinas produzem álcool durante seis meses por ano e comercializam por 12 meses. Essa diferença implica em custo de armazenamento.
Até o ano passado, esse custo era bancado pela Petrobrás. Desde então, pelas usinas. As altas taxas de juros praticadas no ano passado levaram o setor à insolvência.
Por seu turno, a Petrobrás é obrigada a arcar mensalmente com US$ 120 milhões de subsídio ao preço do álcool hidratado -um modelo inviável.
O governo não poderia permitir o desaparecimento de um setor inteiro, que responde por fatia expressiva dos empregos no campo e pelo abastecimento de um terço da frota de veículos do país.
E não deveria persistir no velho modelo de subsídios, inviável em uma economia estabilizada.
As mudanças
Esse foi o pano de fundo encontrado pelo secretário de Acompanhamento Econômico, Luiz Paulo Vellozo Lucas, um dos pioneiros da grande revolução modernizadora do início dos anos 90.
A estratégia foi adaptar o sistema de preços à reestruturação do setor, que tem duas pernas.
1) No caso do petróleo, regulamentação do fim do monopólio.
O Ministério das Minas e Energia se comprometeu até final do mês a mandar projeto para o Congresso liberando todas as atividades e considerar como fator estratégico apenas o nível das reservas no subsolo.
Com a liberação, por exemplo, o abastecimento do norte poderá ser feito pela Venezuela, acabando com a necessidade do subsídio. O sul do país poderá ser abastecido pela Argentina, e assim por diante.
2) No caso do álcool, mudança do modelo do Proálcool, privilegiando o álcool anidro (que vai misturado na gasolina).
No caso do anidro, o governo continuará determinando o percentual de álcool que vai misturado na gasolina. Depois, caberá às distribuidoras (operando em regime de concorrência) fecharem acordo de fornecimento com os usineiros (também em regime de livre negociação).
Com essa liberação, pela primeira vez em seis décadas institui-se a competição no setor, induzindo a uma ampla modernização das usinas e ao fim das práticas paternalistas oficiais.
Carro a álcool
O nó central é o carro a álcool -que é abastecido com o álcool hidratado, mais caro.
No ano passado, o país precisou importar 1,6 bilhão de litros para bancar a frota. O modelo é desequilibrado do lado da oferta e demanda e do lado financeiro.
Em vez de uma discussão infindável sobre os rumos do Proálcool, definiu-se uma data (1º de janeiro de 1997) para acabar com o subsídio. Até lá, o país precisará discutir o que fazer. É intenção do governo que a decisão de preservar ou não a frota a álcool seja de cada Estado ou município.
Se São Paulo quiser preservar a frota, basta o governo do Estado reduzir o IPVA para o carro a álcool.
É evidente que uma viagem nacional de carro a álcool não será mais a mesma. Além das atrações, o turista terá de planejar a logística de abastecimento, já que apenas uma minoria dos postos disporá do combustível. Mas isso já ocorre com quem viaja para o Mercosul.

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