São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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ABERRAÇÃO PATENTE

Sob pressão do Executivo, o Congresso Nacional poderá aprovar uma lei de patentes leonina, que vai muito além das exigências de organismos internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Certamente não interessa ao Brasil ficar à margem dos padrões de convivência econômica mundial. E é desejável que o país defina critérios de proteção intelectual mais amplos, em alguns aspectos. Mas o substitutivo do senador Fernando Bezerra (PMDB-RN) sobre a lei de patentes, que aguarda apenas a votação na Câmara, ultrapassa em muito o que se poderia considerar uma postura não-nacionalista e de bom senso.
Contrariando conceitos universalmente aceitos e aplicados em praticamente todo o mundo, a patente passará a ser, no Brasil, o direito de impedir a produção e até mesmo a importação de certos produtos.
A lei fere, assim, o conceito internacionalmente consagrado da "licença compulsória", pela qual o detentor da patente tem a obrigação de produzir em dado prazo, de um ano, por exemplo, ou, no mínimo, de demonstrar diligências nesse sentido.
Os critérios para tanto são óbvios: o interesse de qualquer nação em conceder patentes está não apenas no avanço de sua ciência e indústria, como na melhoria dos bens e serviços oferecidos à população.
O substitutivo do senador Bezerra, porém, não só desobriga o detentor da patente de produzir no país como ainda lhe concede o monopólio da eventual importação do produto. Com a aprovação dessa vergonhosa reserva de mercado, grandes laboratórios poderão impor ao consumidor brasileiro o uso de produtos mais caros ou obsoletos, sem temor da concorrência nem a necessidade de novos investimentos no Brasil.
O projeto incorpora, ademais, um mecanismo retroativo, o "pipeline", defendido apenas pelos EUA e rejeitado pela OMC. Poderão ser patenteados aqui produtos que, no mundo, foram patenteados até cinco anos antes da aprovação da lei brasileira. A Argentina, cujo alinhamento diplomático aos EUA é conhecido, não só rejeitou a retroatividade como fixou um prazo de oito anos para que sua lei de patentes entre em vigor.
Como se não bastassem essas aberrações, o substitutivo avança no campo temerário do patenteamento de seres vivos. Ainda não se conhecem, em todo o mundo, as implicações das patentes na área de biotecnologia. Trata-se da possibilidade de que laboratórios ou corporações sejam "donos" de dada espécie ou raça.
Não são infundados os temores que isso provoca. Há um mês cientistas da Escócia anunciaram o sucesso da clonagem de ovelhas. Milhares de seres idênticos podem ser produzidos. Em 1993 a Secretaria de Comércio dos EUA chegou a preparar petição de patente sobre a sequência genética de uma mulher indígena do Panamá, recuando após protestos.
Por fim, e como agravante, as sanções unilaterais dos EUA para pressionar por esses itens da lei de patentes são condenadas pelo direito internacional. Em vez de acionar persistentemente a OMC contra tal abuso, o governo brasileiro cedeu, aceitando o papel de infrator que cabia aos EUA.

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