São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Oscar tem clima de circo

MARINA MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Roger Ebert, o crítico de cinema que é o Rubens Ewald Filho dos americanos, definiu bem: "A chegada ao Oscar é exatamente o que parece, uma oportunidade para que as pessoas mais famosas, glamourosas e talentosas do mundo sejam entregues ao bando de lobos famintos da imprensa".
Disse com seu típico bom humor, já que Ebert faz parte desse bando. Neste ano, como vocês devem ter notado, o Brasil teve pela primeira vez uma representante no tapete vermelho, muito embora, às vezes, eu tenha me sentido mais um cordeiro a caminho do matadouro.
Descobri que estou em boa companhia. Em sua edição mais recente, a "TV Guide" americana publica uma reportagem com o título: "Os perigos do carpete vermelho", que começa com uma pergunta ao leitor: "Você acha que é fácil entrevistar as estrelas que chegam ao Oscar? Pense direito". "Muitos telespectadores do Oscar acham que o show antes da cerimônia do prêmio é mais divertido que a própria entrega das estatuetas", diz a reportagem.
Não sem motivo.
Conta o próprio Roger Ebert, que estava lá: "É extremamente difícil não fazer perguntas que podem parecer bobagens. As pessoas não entendem o frenesi maníaco que toma conta. Os fãs gritando. Helicópteros sobrevoando. E meu produtor gritando no meu fone de ouvido: Meryl Streep está chegando! Agarra ela! Não, espera, aí vem o Robin Williams, pega ele!".
Para os americanos, nada disso é novidade. Há tantas emissoras transmitindo a chegada das estrelas que o festival de besteirol já foi incorporado ao evento. É natural que, no Brasil, onde a TV paga ainda é coisa de meia-dúzia, os "críticos" se espantem com o clima de circo.
Afinal, quem cresceu vendo um só canal acha que televisão é sempre quadradinha, editadinha, bonitinha, sem os riscos de uma transmissão ao vivo. Quem assiste ao Oscar tão de longe não consegue entender que isso aqui é mais carnaval que um sóbrio encontro de chefes de Estado.
As emissoras americanas, no entanto, não vão para o Dorothy Chandler Pavillion sem uma tropa de produtores, um time de repórteres e uma estrutura técnica infalível.
Nossa presença na tal passarela vermelha não garante nada. São centenas de pedidos de emissoras do mundo todo que querem cobrir o evento. A maior parte fica de fora. Quem entra, ocupa um espaço de um metro quadrado. Ali ficamos nós, a equipe do SBT em Hollywood: repórter, produtora e cinegrafista.
Atenção! Um minuto! Trinta segundos! No ar! Vai, Marina!
No ponto, um aparelhinho parecido com esses que as pessoas com problemas de audição carregam no ouvido, a gritaria é intensa. Ouço comandos desesperados e trechos das conversas dos apresentadores que estão no estúdio do SBT em São Paulo. Há o tal do delay: toda palavra que falo, ouço de volta em segundos.
A idéia inicial era manter a transmissão no estúdio, com entrevistas pré-gravadas e apenas algumas entradas ao vivo, onde eu faria comentários sobre o pessoal chegando. Mudado o curso em cima da hora, sigo entre obediente e entusiasmada, sacando o microfone para toda cara conhecida que passa por mim.
É preciso garantir as entrevistas literalmente no braço. Agarro Richard Dreyfuss e ele, gentil, concorda em esperar que a gente volte de um comercial para conversar conosco. Repete a piada que faz sempre que lhe perguntam sobre as crianças (seus filhos): "Peguei na rua".
A alguns passos de nós, a apresentadora Joan Rivers empurra, no ar, ao vivo, a repórter de uma emissora que invadiu seu espaço. Na reportagem da "TV Guide", Joans confessa: "Um ator bem conhecido, cujo nome prefiro não citar, vinha pelo tapete vermelho com uma mulher bem mais velha e eu perguntei se era sua mãe. Era a mulher dele."
As emissoras daqui, percebendo o filão, acrescentam comentaristas especializados em desancar a roupa dos astros e estrelas que chegam, reparando na saia justa de fulana, na calça curta do beltrano.
Mesmo Ebert, um crítico respeitado apesar de não ser carrancudo, concorda: "O tapete vermelho não é o lugar onde você vai discutir um novo ângulo do 'Despedida em Las Vegas'. Nada de substância vai ser dito ali".
A essa altura, o: "Como é que você está se sentindo?" é a pergunta mais repetida na fila de repórteres. Minha produtora estica o pescoço, tentando antecipar a caminhada de artistas enquanto fala com o Brasil ao telefone.
Ninguém acreditava que as feras iriam parar para falar com o SBT, mas, depois de Emma Thompson (estávamos mais uma vez num comercial), do Quincy Jones e do Jeff Goldblum, que até arrisca um sambinha no nosso microfone, o diretor no Brasil se anima e não quer mais tirar a imagem de Los Angeles.
Sharon Stone acha que no Brasil se fala francês, e ninguém deve se ofender por isso: seria pior se ela nos atribuísse o javanês. Com Robin Williams, que entrevistei recentemente em Nova York, achei que poderia mostrar prestígio. Disse, fazendo festa, que se lembrava de mim, sim, da TV espanhola. Nada é perfeito.
Os últimos convidados atravessam o tapete. Na passarela, à nossa esquerda, está o conhecido programa de entretenimento "Extra" e, do outro lado, o "Good Morning America", da ABC. Troco figurinhas com os vizinhos. Elegemos Emma Thompson a mais simpática (parou para nós três) e Sean Penn, o mais ranzinza.
Ficamos sabendo a última da Joan Rivers na transmissão do E Channel: ao ver uma colega jornalista que fez operação plástica para aumentar os seios, Rivers espetou com a maldade típica dos veteranos: "Seus seios estão lindos. Principalmente o do lado direito". Estava no ar. Mais uma vez, ao vivo.
Meninos, é o que se chama de show business!

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