São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ermírio escreve contra 'o país dos safados'

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Brasil S/A", primeira peça teatral escrita pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, da Votorantim, nasceu nas eleições de 1986. Candidato a governador de São Paulo, o autor diz que viu "muita injustiça e canalhice".
Cansado de falar sem ser ouvido, resolveu fazer a peça. Ermírio disse em entrevista exclusiva à Folha, reproduzida abaixo, que o texto conta, "num português muito fácil", a história de "um homem que procura produzir para a nação e as dificuldades que ele encontra".
Em 36 quadros, "Brasil S/A" mostra a trajetória de Lucas, empresário que vende sua usina e fazenda para entrar no ramo farmacêutico.
O projeto enfrenta problemas até dentro da própria família: a filha ecologista o acusa de manter fábricas poluidoras, a nora se alia a um canalha internacional para fazê-lo vender o laboratório.
Com a peça, Antonio Ermírio deseja fazer uma defesa da ética, moralidade e do amor ao Brasil. "Se não tomarmos cuidado, ética e dignidade vão ser substituídas pela esperteza."
(ECB)
*
Folha - Por que o senhor resolveu escrever uma peça de teatro?
Ermírio - Isso nasceu na campanha de 86. Eu vi tanta coisa errada na campanha, já dei várias entrevistas sobre isso, mas nem sempre fui ouvido. Então agora vou resumir de uma maneira muito simples, num português muito fácil, o sofrimento de um homem que procura produzir para a nação e as dificuldades que encontra. Eu vi muito sofrimento, muita injustiça e muita canalhice na política.
Folha - É uma peça engajada na defesa da ética e da moralidade?
Ermírio - É. Se não tomarmos cuidado, no próximo milênio não vamos ter nem ética nem dignidade no dicionário português. É um risco sério. Ética e dignidade vão ser substituídas pela esperteza.
Folha - O senhor acha que ética e moralidade formam a receita para resolver as desigualdades e problemas brasileiros?
Ermírio - Falta um pouquinho daquilo que os argentinos têm demais. O argentino é meio fanático pela Argentina, às vezes sem razão. Aqui no Brasil, nós somos liberais, tudo é válido. Eu acho que o brasileiro precisa todo dia quando levantar lembrar que existe o Brasil em primeiro lugar. O Brasil é a razão da nossa existência.
Folha - Na peça o senhor inclui conflitos familiares.
Ermírio - Existe em quase todas as famílias, o mundo não é um mar de rosas. Mas como tratar desse conflito? Eu fiz o caso de um pai que trabalhou muito e não deu à família a devida atenção -isso é pelo menos o que diz a filha.
Folha - Isso é uma autocrítica?
Ermírio - Não, pode ser até uma autocrítica, mas eu procurei não fazer nada autobiográfico, nada, nada, nada. Depois a gente vê, observa nos lugares, todos nós que somos pais de família não temos muitas possibilidades... porque a vida no Brasil, para levar a sério, para ser correta, é difícil. O ruim do Brasil é que continua o paraíso dos safados, um país onde a malandragem encontra boa acolhida.
Folha - Como foi a escolha dos atores?
Ermírio - Foi em conjunto com o diretor Marcos Caruso. Ele é uma pessoa extremamente honesta, é importante isso. Mas nós adiamos essa peça pelo menos uns quatro ou cinco meses. Porque uma tinha compromisso com novela, outro com filmagem, e foi necessário um pouco de paciência.
Eu fiquei muito satisfeito. O elenco não tem altos e baixos, são todos bons. Eu tenho acompanhado de perto os ensaios e fico entusiasmado. O Rogério Fróes, que é um homem sofrido, porque o papel do Lucas é o de um homem sofrido, ele representa muito bem o papel dele. Quando você escreve alguma coisa, vê tomar corpo, aquilo mexe com você.
Folha - O que dá mais prazer, fechar um grande negócio ou escrever um texto teatral?
Ermírio - Eu acho que as duas coisas. Eu acho que o negócio tem que ser bom para ambas as partes. Essa peça teatral, eu não sei se vai ser boa para o público (risos). Eu não sei, e isso é que deixa um pouco nervoso.
Às vezes me perguntam como é que eu vou receber as críticas. Ora, depois de uma campanha política não tem nada que pode mexer com a gente (risos). Nada. Agora, a crítica sendo construtiva ela é boa, porque corrige, ensina você. Eu não sou dramaturgo, jamais me intitulei dramaturgo.
Folha - A peça foi bancada pelo senhor mesmo?
Ermírio - Foi por mim mesmo. Tem algumas permutas, mas coisas pequenas. O grosso, em torno de US$ 200 mil, fui eu mesmo.

Peça: Brasil S/A, de Antonio Ermírio de Moraes
Direção: Marcos Caruso
Com: Rogério Fróes, Irene Ravache, Mayara Magri, Jandir Ferrari, Suzy Rêgo, Luiz Guilherme, Rogério Márcico e Eugênia De Domênico
Onde: Teatro Procópio Ferreira (rua Augusta, 2.823, tel. 011/883-4475)
Quando: estréia amanhã, às 21h, para convidados, e domingo, às 20h, para o público
Quanto: R$ 25

Texto Anterior: Quatro visões da angústia estréiam em São Paulo
Próximo Texto: 'Melodrama' faz inventário de clichês
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.