São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 1996
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ALICE NO PAÍS DO DÉFICIT

Sempre se disse que a alta inflação funcionava como um véu que tudo falsificava, tendo servido inclusive para facilitar o financiamento do déficit público. No país da inflação crônica, orçamentos eram de mentira.
Com inflação alta, adiar desembolsos era uma forma de cobrir o rombo das contas públicas. A despesa, em termos reais, era, na prática, corroída pela inflação. Pois bem, a inflação reduziu-se de modo extraordinário. O que ocorreu com os orçamentos do governo? A fábrica de ilusões continua funcionando a todo vapor.
A reportagem da Folha revelou como o controle arbitrário de desembolsos continua entre os muitos artifícios usados pelo Tesouro para administrar o seu caixa. Em última análise, portanto, apesar da inflação baixa, o governo continua a transferir à sociedade o custo de um descontrole que tanto se prometeu combater.
Afinal, há custos ou sacrifícios sempre que o governo adia o pagamento de fornecedores e de contratos assinados com Estados e municípios. É a própria qualidade do serviço público que acaba se deteriorando, assim como a credibilidade na existência de um ajuste fiscal sério.
Os números não são desprezíveis. Desde novembro do ano passado já se acumulam R$ 4 bilhões em atrasos relativos a contratos e convênios dos ministérios. Esforço que pode até inspirar-se numa causa louvável (o controle dos gastos), mas que, na prática, confunde o que parece controle com o que não passa de inadimplência e quebra de contratos. E que, no final das contas, tem sido insuficiente para tirar o Tesouro do vermelho.
Este é apenas um dos truques, que convive com outras manobras como o adiamento recorrente da aprovação de um Orçamento pelo Congresso -o que dá margem de manobra para o Executivo- ou a utilização de projeções irrealistas de arrecadação, inflação e crescimento.
O resultado é um desgoverno. A inflação caiu, mas as contas do governo continuam dignas de um fantástico enredo de Lewis Caroll.

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