São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 1996
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Banco Central independente

ANTONIO DELFIM NETTO

Uma das características da teoria econômica hegemônica é que muitas de suas proposições "científicas" escondem o fato de que elas são derivadas num mundo como os economistas gostariam que fosse e não no mundo como ele é.
Algumas delas são sujeitas ao controle empírico. Mas outras, como por exemplo "a independência do Banco Central garante o controle da inflação", são de tal complexidade que não existe esperança de que possam ser comprovadas empiricamente.
O que se oferece como sugestão de prova para essa proposição? Nada mais do que uma correlação entre um indicador de independência do Banco Central (construído com critérios discutíveis) e a taxa de inflação do país correspondente.
Uma correlação entre duas variáveis não indica necessariamente causalidade, pois as duas podem ser produto de um terceiro fator. Por exemplo: países constitucionalmente bem-organizados, cujas finanças públicas (déficits e dívidas) são sujeitas ao controle político que impede a sua monetização, podem dar mais "independência" aos seus bancos centrais.
O que produz a inflação baixa não é a "independência", mas sim o fato de que as finanças públicas estão sob controle. É esse terceiro fator (país politicamente organizado) que produz a causalidade espúria entre "baixa inflação" e "Banco Central independente".
Se não pode ser comprovada empiricamente a tese, de onde vem, então, a prova? A "prova" não vem de nenhum lugar, mas sim de uma particular visão do mundo contrabandeada para dentro do corpo da "teoria econômica".
O Banco Central pode ser visto como composto de três departamentos: um faz o papel de emprestador de última instância e garante a segurança do sistema bancário; outro controla a qualidade dos riscos desse sistema bancário e o terceiro controla a oferta de moeda.
Os departamentos de controle dos riscos bancários e o de garantidor de sua segurança para o público têm funções puramente técnicas, que não devem ser sujeitas a nenhuma influência política.
Mas o que dizer do departamento que controla a oferta de moeda? Aqui as coisas são muito mais complicadas e a resposta depende, claramente, da visão do mundo de cada um.
A proposição da independência do Banco Central faz algum sentido: 1) se o cidadão acredita (tem que acreditar, porque não há prova) que existe uma relação precisa entre a oferta de moeda (supondo que se saiba o que é) e o nível de preços; 2) se acredita que a moeda não exerce nenhuma influência no longo prazo em qualquer outra variável real, como o nível de atividade, emprego, distribuição de renda, taxa de câmbio real etc...
Se não for assim -e não é- e a manipulação da moeda produzir efeitos reais importantes sobre o nível de atividade e do emprego?
Como imaginar que a sociedade deva entregar a um bando de econocratas e banqueiros -não escolhidos por ela e irremovíveis- o poder de determinar de acordo com suas próprias preferências (quando não interesses) a taxa de inflação e o crescimento econômico?

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