São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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A armadilha da estagnação

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos", dizia Nelson Rodrigues.
Lembro a frase a propósito da violenta reação de alguns economistas e órgãos da imprensa à entrevista de Rudiger Dornbusch publicada recentemente pela Folha.
Tanto à esquerda como à direita do espectro ideológico, economistas notoriamente analfabetos em matéria econômica (há muitos no Brasil) animaram-se a respostas agressivas, epítetos grosseiros e críticas "ad hominem". Até o preço que o professor cobra por palestra foi objeto de repetidas considerações malevolentes.
Essa reação primitiva pode ser atribuída, em parte, ao fato de Dornbusch ter ousado questionar alguns dos dogmas caros ao raquítico debate econômico nacional. É verdade que o professor foi arrogante. Cometeu alguns exageros retóricos.
Mas exageros polêmicos são às vezes necessários para sacudir um pouco a aceitação irrefletida de teses discutíveis.
Como disse Keynes certa vez, em resposta a um amigo que se espantava com a virulência de algumas de suas manifestações públicas, "as palavras devem ser um pouco selvagens, pois são a investida do pensamento sobre os que não pensam."
Seja como for, a verdade é que o professor alemão lembrou algumas questões relevantes.
Por exemplo: ao contrário do que se apregoa entre nós, é possível conciliar crescimento significativo da economia com sucesso na luta contra a inflação. Nem sempre existe tensão insolúvel entre esses dois objetivos.
Dadas certas condições, como a disponibilidade de capacidade ociosa na economia ou a possibilidade de ampliar as importações e a absorção líquida de recursos reais do exterior, torna-se factível alcançar taxas expressivas de crescimento e, ao mesmo tempo, avançar em matéria de combate à inflação.
Há diversos episódios recentes que ilustram essa possibilidade. Entre 1991 e 1994, a Argentina cresceu quase 8% ao ano em média, enquanto a taxa de inflação caiu drasticamente, de 1.344%, em 1990, para 4%, em 1994. No Chile, a inflação anual diminuiu de 27%, em 1990, para 8%, em 1995, enquanto o PIB cresceu a uma taxa anual média de 7%.
O próprio Plano Real, nos seus nove primeiros meses de "lua-de-mel", até março de 1995, constituiu um exemplo marcante de coexistência de crescimento rápido com inflação em queda. Não fosse a eclosão da crise mexicana, a lua-de-mel teria durado mais.
Parece ser de outra natureza a principal restrição à meta de crescimento anual de 7% que Dornbusch julga necessária para o Brasil.
Trata-se de avaliar, em primeiro lugar, qual o déficit comercial e o déficit de balanço de pagamentos em conta corrente que resultaria de uma taxa de crescimento dessa ordem. E, em segundo, se esse desequilíbrio externo poderia ser financiado com segurança nos mercados financeiros internacionais.
Como se sabe, grande parte da dificuldade está na imensa valorização cambial acumulada pelo Brasil. Com o câmbio tão fora do lugar, a volta a taxas de crescimento elevadas resultaria em ampliação problemática do déficit em conta corrente.
Ora, o próprio Dornbusch hesita em recomendar alteração significativa na política cambial. Limita-se a indicar a necessidade de "ganhar um pouco no câmbio, de forma pragmática".
Se é assim, fica difícil ver de que maneira o Brasil poderia voltar a crescer a taxas aceitáveis sem desguarnecer o flanco externo.
Não se avançará na discussão do problema sem reconhecer que a forma pela qual se produziu a queda da inflação criou, na realidade, uma espécie de armadilha.
Uma armadilha que não nos permite encontrar uma combinação aceitável de taxa de crescimento e desequilíbrio externo. Uma armadilha que só poderá ser desmontada com uma revisão completa da política macroeconômica.

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