São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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Como o BC confessou

ALOYSIO BIONDI

O Banco Central já confessou, involuntariamente, que o socorro de bilhões de reais ao Nacional foi feito em meados do ano -e não em outubro/novembro, às vésperas do anúncio da "quebra".
A confissão do BC coloca a sociedade diante de duas hipóteses, ambas comprometedoras para o governo:
1 - ou o rombo gigantesco existia há meses e era de conhecimento dos governantes, que mesmo assim despejaram bilhões no Nacional, sabendo que o Tesouro teria prejuízos fantásticos;
2 - ou o rombo não tinha as proporções atuais e foi criado ao longo de meses, com a injeção de dinheiro público que foi canalizado para destinações a serem investigadas.
Para melhor compreensão da charada, vale dissecá-la:
Abafa - para torpedear a criação da CPI, o governo lançou uma "Operação Abafa", na área de comunicação, tentando induzir a opinião pública a acreditar que o socorro ao Nacional teve por objetivo evitar uma crise em todo o mercado financeiro. Uma decisão, alega-se, no interesse do país.
Pelo avesso - reportagem publicada nessa blitz de manipulação da informação acabou sendo um tiro pela culatra, ao fornecer dados que representam uma confissão do BC.
Demonstrando total desprezo para com a inteligência do brasileiro, o governo tentou vender uma idéia inacreditável de que o socorro de R$ 6 bilhões ao Nacional foi -pasmem, cidadãos- um favor ao país.
Isso mesmo; uma ajuda do Nacional ao Tesouro. Como? Segundo a reportagem, publicada na "Gazeta Mercantil" de 18 de março, o dinheiro da ajuda ao Nacional foi retirado da reservas que os bancos têm no BC (dos depósitos compulsórios que os bancos mantêm no BC).
Sobre essas reservas -lembra a reportagem- o BC pagara juros de 11% ao ano mais TR aos bancos "donos" do dinheiro (na verdade, pertencente aos clientes). Isto é, os depósitos trazem despesa com juros, que sangra o BC e o Tesouro.
Assim, conclui o raciocínio da reportagem, foi lucro para o BC e o país emprestar ao Nacional no do programa de ajuda aos bancos, pois esses empréstimos pagam TR mais juros de 11,7%, cobrindo, portanto, os gastos do BC e detendo 0,7% de lucro.
O raciocínio parece lógico, mas é falso por vários motivos. Cabe lembrar apenas um, para destruir as inverdades do BC.
Se o Nacional já tem um rombo de R$ 4 bilhões, ou R$ 6 bilhões, ou R$ 8 bilhões que o Tesouro vai cobrir, como é que ele vai pagar esses juros, de R$ 1,5 bilhão ou mais por ano? Eles estão apenas sendo calculados e somados ao rombo. Cobrança para tolo ver. Só no papel.
A confissão - na reportagem, o BC proclama que "o desembolso feito pelo BC para pagar os juros dos compulsórios caiu de R$ 276 milhões depois da ajuda ao Nacional para R$ 148 milhões em fevereiro último". Inverdade total.
Quem examinar atentamente uma tabela publicada na reportagem, fornecida pelo próprio BC, vai ver que as afirmações são falsas de cabo a rabo.
O que diz a tabela? Suas estatísticas mostram, mês a mês, os períodos em que as reservas dos bancos cresceram no BC e as épocas em que diminuíram.
E lá vêm surpresas reveladoras: o governo diz ter agido em favor do Nacional a partir de outubro. Nesse mês, no entanto, as reservas ficaram estáveis, situando-se em R$ 29,3 bilhões, mesmo nível de setembro.
Em novembro, mês da "quebra" oficial, as reservas caem apenas 5%, de R$ 29,3 bilhões para R$ 27,9 bilhões, ou mero (proporcionalmente) recuo de R$ 1,4 bilhão.
Então, quando houve, afinal, a grande saída de dinheiro das reservas dos bancos? Segundo a tabela do BC, elas caíram de R$ 42,4 bilhões para R$ 37,4 bilhões, um recuo de nada menos que R$ 5 bilhões, de julho para agosto - coincidindo com as afirmações do advogado do Nacional, de que o governo tomou conhecimento dos problemas do banco em junho/julho.
No mês seguinte, outra enxurrada: em setembro, as reservas recuam mais R$ 5,6 bilhões, isto é, de R$ 37,4 bilhões em agosto para R$ 31,8 bilhões.
Em resumo: em agosto e setembro, as reservas do BC caíram nada menos que R$ 10,6 bilhões, ou fantásticos 25%.
Como o BC diz que as reservas caíram devido ao socorro ao Nacional -e diz que isso foi um bem para o país-, está aí a confissão involuntária do governo sobre o período em que a ajuda realmente ocorreu.

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