São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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'Brasil S/A' faz painel do mau-caratismo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Brasil S/A", peça escrita pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes, sofreu uma inversão de prioridades, antes mesmo de sua estréia -o primeiro dos três espetáculos beneficentes, fechado ao público, está marcado para hoje.
O diretor da montagem, Marcos Caruso, argumenta que, de drama biográfico de um empresário que trazia problemas familiares como mero pano de fundo, o texto, conforme avançavam os ensaios, passou a valorizar como primeiro plano a trama psicológica.
Ao mesmo tempo, todas as "sacanagens e falcatruas" derivadas de um Brasil moralmente poluído se tornaram menos importantes. Perderam a condição de enfoque central e se tornaram moldura.
O empresário Lucas (Rogério Fróes) e sua mulher Rosa (Irene Ravache) têm dois filhos, Dario (Jandir Ferrari) e Inês (Mayara Magri), uma nora (Suzy Rêgo), e mais dois amigos que encarnam caricaturalmente o fato de o Brasil continuar a ser o que o autor qualifica como "o paraíso dos safados".
Mas safadeza não corre propriamente do lado de fora da família. Seus integrantes incorporam as regras do jogo e dissolvem suas normas originais de convívio.
Lucas, o personagem central, valoriza exclusivamente os ingredientes de sua rotina que gravitam em torno do trabalho.
No entanto, ao menosprezar as relações interpessoais não funcionalizadas pela empresa, vê seu mundo se esfacelar e paga o preço do fracasso justamente num plano em que que, pouco à vontade, permanecia jejuno e no qual investira bem pouco de si mesmo.
O espetáculo possui os ingredientes básicos da superprodução. O cenário -quatro escadas e uma rampa, móveis e seis plataformas suspensas- é percorrido por uma iluminação que segmenta ambientes e os transforma conforme se sucedem os 34 quadros.
Os preparativos finais da montagem foram pouco tranquilos. O Teatro Procópio Ferreira, com seus 636 lugares, é alugado às segundas-feiras pela TV Globo para a gravação de um programa dominical humorístico.
A parafernália cênica de "Brasil S/A", que ficou pronta no último domingo, precisou ser desmontada e remontada na terça à tarde para o primeiro ensaio geral.
Ele começou por volta das 23h, com Antônio Ermírio de Moraes na platéia, junto à equipe técnica, e sanduíches encomendados para varar a madrugada.
"Será uma experiência incomum para o teatro brasileiro, pouco acostumado a discutir os problemas pessoais de um empresário e as relações éticas que os negócios acabam por tecer entre as pessoas", diz o diretor Caruso.
Para ele, que também foi o co-autor do best seller "Porca Miséria", a peça se destina fundamentalmente a três tipos de público: homens de negócio ou políticos, os curiosos que procurarão saber "o que o Antônio Ermírio escreveu" e, por fim, os que se sentirão atraídos, por meio de uma divulgação boca a boca, "por um texto emocionante e humorado".
O bom humor chega, fluente, pelos caminhos da estereotipia. A empregada Dalva transporta com suas intervenções um superego insensato e desprovido de maior autoridade, porque ela está excluída do círculo familiar do poder.
Por sua vez, Monique, a nora de Lucas, é uma adúltera desinformada: acredita que África é um país e que Hong Kong fica na Índia.

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