São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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O risco Brasil

ALCIDES S. AMARAL

Enquanto a Companhia Vale do Rio Doce teve de pagar 400 pontos básicos acima do título do Tesouro norte-americano para colocar seus eurobonds no mercado internacional, empresas sediadas no chamado mundo desenvolvido -Ford, Chrysler, Hitachi, Glaxo, só para citar algumas- têm seus papéis negociados entre 40 e 50 pontos acima do mesmo título referencial.
Isso significa dizer que o risco de tais companhias é oito ou dez vezes superior ao da Vale?
Certamente que não. A Vale do Rio Doce é uma organização de padrão internacional, com renomada capacitação técnica, mas paga o preço de estar localizada no Brasil. É vítima, como tantas outras, daquilo que o mercado qualifica como "risco Brasil".
Que de padrão internacional na década de 70 caiu aos níveis mais baixos na década de 80 por força de moratórias, quebra de contratos etc. Recuperou-se nos anos 93/94, quando da normalização das relações com a comunidade financeira internacional, mas infelizmente voltou a se deteriorar nos últimos seis meses, mesmo com o êxito do Plano Real, que colocou a inflação na lona. Onde está, então, o problema?
Em primeiro lugar é importante deixar claro que a história não se apaga como num passe de mágica. Na medida em que enfrentamos o mundo com atos de bravura, temos um ônus perante aqueles que jamais deixaram de honrar seus compromissos.
Não é por outra razão que países como Canadá, Suécia ou Itália -por exemplo-, embora tenham alto endividamento em relação ao seu produto interno bruto, continuam financiando-se no mercado internacional com taxas e prazos favoráveis.
Mas o que nos levou ao quadro atual está mais ligado aos fatos recentes, iniciados com a quebra do Econômico, agravados pela fraude do Nacional, o megaprejuízo do Banco do Brasil e a crescente preocupação de que estaríamos perdendo a batalha no equacionamento do déficit do setor público.
Os problemas do sistema financeiro criaram grande impacto no mercado internacional. Não pela quebra de bancos, que acontece em todo o mundo, mas pelas deficiências constatadas nos balanços de algumas instituições.
É certo que problemas semelhantes aconteceram em outros países, mas não devemos nos iludir; o gosto amargo pelos altos valores envolvidos ficou.
A própria limpeza do balanço do Banco do Brasil -oportuna, necessária, indispensável- deixou sequelas por se tratar de um dos cem maiores bancos do mundo, e por trazer à realidade problemas que vinham sendo ignorados nos últimos anos.
É fundamental, portanto, que as regras mais rígidas de controle e fiscalização já implementadas revertam esse quadro rapidamente. Como não existe crise sistêmica -são casos importantes, porém isolados- é necessário que não tenhamos mais que falar em CPI dos Bancos e sim de como a lei está sendo aplicada para tratar aqueles que deliberadamente lesaram a confiança de acionistas e depositantes, o que felizmente já começou a acontecer.
Restaria, portanto, a adequação do setor público para que pudéssemos voltar a pagar taxas de juros internacionais adequadas à situação econômico-financeira das nossas empresas.
A percepção é de que o agravamento recente do déficit do setor público não está merecendo a devida atenção da classe política que, em última análise, é quem tem que aprovar as leis visando a reversão desse quadro.
Não podemos correr o risco de findarmos o primeiro semestre do ano sem deixar sinais claros de que, ao longo do tempo, as curvas de receita e despesas se inverterão. O que se espera não é milagre ou solução imediata desse difícil problema.
Espera-se que, por força das medidas efetivamente tomadas -reformas constitucionais, privatização etc.-, a partir de 1997 a curva de receita cresça mais rapidamente do que a curva de despesas.
Com tal sinalização o "risco Brasil" voltará a níveis compatíveis -certamente superiores aos 100/150 pontos da década de 70, mas inferiores aos 400 atuais- com a potencialidade da nossa economia.
Mas caso as tão aguardadas reformas constitucionais não aconteçam e sejam empurradas para 1997 por força da agenda política -eleições municipais no segundo semestre-, teremos que continuar explicando que o Brasil é diferente e pagando custos desproporcionais à qualidade das nossas empresas.

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