São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 1996
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Violência, desemprego e polícia

HÉLIO BICUDO

Estamos, sem dúvida, diante de um quadro que se poderia denominar de metástase, com o tecido social em franca e crescente deterioração.
Não é necessário ir muito longe para chegar a esse diagnóstico. Para tanto basta lembrar que, a par de toda a violência que assola a sociedade brasileira, o crime ganha parâmetros inimagináveis: cresce a cada dia o número de pessoas que são assassinadas, seja pela polícia, seja pelos chamados grupos de extermínio, seja finalmente sem outros motivos que os originados em pequenos desentendimentos que, dadas determinadas circunstâncias, assumem as proporções da tragédia.
O trabalhador que, no contexto do Estado neoliberal, se vê despojado do emprego, sem condições mínimas de manter sua família, acaba frequentando o bar mais próximo de seu barraco, onde se deixa permanecer em um "lazer" forçado, regado a bebidas alcoólicas ou a tóxicos. Com a cabeça quente porque tem encargos que não os pode atender, ingere drogas, bebe, embriaga-se, briga e mata ou é morto.
A questão do emprego, prioritária na luta contra a violência, precisa ser enfrentada não só pelo governo, responsável pela trilha econômica cujo percurso, sem alternativas, impõe aos brasileiros, como pela sociedade.
Até nos países mais desenvolvidos, como a França e a Alemanha, não obstante ainda não se tenha desorganizado o sistema previdenciário surgido a partir do pós-guerra, os resultados da chamada globalização da economia já se fazem sentir com as levas cada vez maiores de desempregados.
No Brasil, então, diante de sua fragilidade econômica, onde a miséria é a tônica mais do que em qualquer outro lugar, governo e sociedade devem buscar uma política realista de emprego.
Uma convocação nacional nesse sentido pode ser o ponto de partida para a correção de distorções de há tempos sentidas, mas que até hoje não sensibilizaram aqueles que detêm o poder político e econômico, porque pretendem a manutenção de um status quo cada vez mais inviável para a maioria do povo.
Por outro lado o Estado brasileiro não considerou a importância em reestruturar sua polícia, para que possa servir aos reclamos da segurança pública. Dividida em dois segmentos, um deles subordinado ao Exército, a polícia ainda não saiu das limitações operacionais a que foi submetida pela ideologia da segurança nacional.
Recentemente, diante da escalada de violência em São Paulo, o governador Mário Covas afirmava que a polícia paulista, com 120 mil homens -75 mil policiais militares e 45 mil policiais civis-, atende aos mínimos exigidos por uma polícia moderna, como a inglesa, de um policial por 300 pessoas.
Mas se esqueceu o ilustre homem público de que o efetivo é uma coisa e policial na rua, outra bem diferente. Ora, os policiais cumprem tarefas diárias que vão de seis a oito horas de carga horária em cada período de 24 horas.
Nesse universo existem aqueles que prestam serviços burocráticos, que se encontram fazendo a guarda de presídios ou na fiscalização do trânsito, que estão no gozo de licenças ou, ainda, em outras funções. Desse modo o número de policiais nas ruas cai vertiginosamente para não mais de 10 ou 12 mil homens em atividades de policiamento ostensivo-preventivo.
Note-se que a Polícia Civil não tem atribuições nas ruas. Assim, estamos muito aquém das médias consideradas razoáveis nas polícias de países desenvolvidos para o policiamento preventivo: um policial para mais de 3.000 pessoas. Aliás, tenha-se em consideração que, se na Inglaterra o ótimo é ter um policial para 300 pessoas, num país subdesenvolvido como o nosso esse ótimo deve ser, pelo menos, de um policial para cada cem pessoas.
A questão, porém, não é apenas de efetivo, pois se eles forem aumentados, dada a vocação da polícia para a violência, correríamos o risco de, em vez de diminuirmos, aumentarmos os índices de violência.
O problema a ser enfrentado é o da reestruturação das polícias, para que o policial esteja permanentemente na comunidade, visitando residências, casas comerciais, indústrias, escolas, procurando detectar as áreas de atrito, para atuar em consequência.
Com a dicotomia existente, com o desperdício de recursos, com a duplicidade de comando e com esse mesmo comando dividido entre Estado e União, não teremos a polícia para o povo, que é um dos fundamentos do Estado de Direito democrático.
A onda de violência precisa e pode ser contida se o Estado quiser realmente adotar políticas públicas que atendam às necessidades básicas da sociedade: educação, saúde e, na conjuntura atual, sobretudo, emprego e segurança.

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