São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 1996
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Pacto federativo e tributos

JOSÉ VERÍSSIMO TEIXEIRA DA MATA

Leitura obrigatória para quem trabalha na área tributária, "Reforma Tributária e Federação" aborda temas muito significativos para serem deixados a um número reduzido de expertos ou espertos. Esse amplo alcance deve-se tanto à exposição de conteúdos essenciais ao debate político sobre o Estado, como também ao fato do livro investigar os tributos em seu imbricamento com a nossa federação, abrindo novas perspectivas para se refazer um pacto federativo que já exibe sinais de cansaço.
Grande esforço metodológico anima os autores, que pretendem conjugar a análise tributária à de aspectos socioeconômicos e políticos. Se os resultados não são graúdos, nem por isso são desprezíveis, a despeito da falta de conceito mais elaborado de federação que orientasse a pesquisa. Eis por que a nota dos organizadores, visando costurar o vínculo temático entre os ensaios, se inicia definindo federação. A definição obtida, entretanto, parece mais precária que as de apostilas. Problemas tais, porém, não devem desanimar os mais exigentes.
O ensaio sobre a especificidade da tributação brasileira frente à experiência internacional é bem articulado, ao contrário do estudo dos programas tributários oferecidos ao Congresso -ambos de Sulamis Dain-, onde apenas se faz o repertório das propostas. No primeiro, traça-se o quadro da evolução recente da tributação na Comunidade Econômica Européia e nos Estados Unidos, contrapondo-a ao desenvolvimento dos tributos no Brasil. Registra-se que, a despeito de todo o discurso liberal, tendem na atualidade à elevação as cargas tributárias. Nem o thatcherismo escapa: "Mesmo na Inglaterra, onde a política fiscal foi mais coerente com o discurso conservador, verificou-se, na primeira metade dos anos 80, ao contrário do que havia sido propalado, uma significativa elevação da carga tributária de 4% do PIB, devida à criação do tributo sobre o valor adicionado".
Mudanças também ocorreram na composição da carga tributária. Aqui se registra o aumento da tributação indireta, dos impostos sobre rendimentos das pessoas físicas e das contribuições sociais, enquanto baixa a tributação sobre empresas e sobre bens e serviços. Traz esse capítulo ainda os problemas com que se defrontam as estratégias mais liberais, como a do governo Reagan, onde se destaca o déficit fiscal. Desaconselha-se, por outro lado, estreitar a faixa de alíquotas do Imposto de Renda, por causa das grandes diferenças salariais do país.
Examinam-se a globalização das economias e seu impacto sobre as políticas fiscais. Nesse quadro, observa-se a prevalência dos tributos indiretos, pela adoção da sistemática do valor adicionado, que facilita as trocas internacionais. É claro que esse processo deve passar por fase de harmonização de alíquotas, como se vê na Europa. No Brasil, a existência de dois IVA aparece como dificuldade suplementar, quando se pensa em Mercosul. Ora, sendo o ICMS imposto de competência estadual, que já causa guerras fiscais, que não dizer das dificuldades a serem enfrentadas no Mercosul, se se mantiverem o IPI e o ICMS?
Tanto o texto de Sulamis Dain quanto o de Waldemir Luis de Quadros, este cuidando apenas da tributação indireta, ignoram a regressividade dos impostos indiretos, que contribui para a injustiça fiscal. Conviria aqui lembrar a crítica de Manoel Bonfim, em seu clássico "A América Latina - Males de Origem", publicado em 1905: "Observa-se um outro fato que denuncia a pouca atenção dos responsáveis pelas coisas públicas, quanto ao interesse das massas: é a desproporção entre os impostos indiretos e as rendas diretas" (Topbooks, 1993, pág. 197).
Quadros sugere a adoção do princípio do destino para o ICMS e IPI. O ensaísta critica a desoneração apenas parcial das exportações pelo ICMS, o que contribui para a falta de competividade dos nossos produtos. A maior distorção, porém, do sistema tributário seria a existência de tributos sobre transações com incidência em cascata. A União, contudo, preferiria esses tributos, por não ter que partilhá-los com Estados ou municípios.
Talvez o melhor estudo da coletânea seja o que trata especificamente das contribuições sociais, de Aglas Barrera e Maria Liz Roarelli. Nele se diagnosticam os desvios desse tipo tributário no Brasil, como a evasão elevada e o seu excessivo número. Põem-se, nesse quadro, restrições ao Cofins e ao PIS/Pasep, pois eles atingem várias fases do processo produtivo, gerando efeito "cascata", que reflete na formação do preço, inclusive das exportações. Também penalizam as empresas que mais se valem da mão-de-obra. Como alternativa, propõe-se a contribuição social sobre o lucro bruto, em vez de se recorrer a uma sobrealíquota do IVA. As hipóteses de contribuição previdenciária são testadas em simulação que torna visíveis as possibilidades de financiamento da seguridade. Bem conviria ao leitor examiná-las detidamente, pois tratam de seu futuro e, em uma delas pelo menos, está presente o dedo do FMI. Nesse ponto reside outro pecado da obra: não avaliar as políticas fiscais brasileiras, em referência a órgãos internacionais (FMI e outros). Ora, o conceito de federação, como o de Estado unitário, não dispensa o de soberania. Ao contrário, o uso desta, em distintos graus, ajuda a definir o perfil de nossa federação.

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