São Paulo, sábado, 13 de abril de 1996
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Anúncio de bombardeio provoca fuga de 50 mil

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM TIRO

Cerca de 50 mil libaneses fugiram do sul do país, pálidos de medo, muitas mulheres chorando, famílias inteiras em velhos carros.
A rádio israelense lhes dera um prazo de apenas três horas para abandonarem suas casas ou arcarem com as consequências, ordenando que os habitantes de cerca de 40 povoados partissem em direção ao norte antes do próximo ataque israelense ao Hizbollah.
Os israelenses encarregaram a milícia Exército do Sul do Líbano (ESL), ligada a eles, de fazer as ameaças mais graves. O bombardeio começaria às 14h30. Foi adiado por duas horas, enquanto milhares fugiam pela rota litorânea.
Eu havia acompanhado refugiados nessa mesma estrada em 1978, quando os israelenses invadiram o Líbano para "destruir o terrorismo". Em 1982 acompanhei refugiados ali, quando Israel mais uma vez invadiu o país para "destruir o terrorismo". Em 1993 viajei para o sul, passando por 300 mil refugiados, quando Israel bombardeou o sul do Líbano, mais uma vez para "destruir o terrorismo".
E agora estava mais uma vez naquela estrada enquanto Israel dava início a mais uma investida para "destruir o terrorismo". As colinas em volta de Nabatea já estavam sendo bombardeadas, assim como Iqlim al Kharoub. Comentava-se que um jato israelense teria disparado um míssil contra uma cidade perto de Arnoun. E foi assim que as aldeias do sul do Líbano foram despovoadas. Barreiras foram montadas para que a polícia controlasse a maré humana.
Atravessei o rio Litani, em direção sul, e encontrei a estrada quase deserta. Alguns poucos refugiados atrasados se arrastavam a pé, implorando caronas para o norte. Alguns soldados libaneses, sentados sobre seus blindados com os olhos fixos no céu, tentavam enxergar os jatos.
A cidade de Tiro estava deserta, as portas das casas, fechadas. A bandeira da ONU tremulava acima da sede das forças de manutenção da paz, de frente para o mar. Escondido em uma barraca da ONU, encontrei um dos refugiados mais tristes do sul do Líbano. Mohamed Mera, 67, havia saído de sua aldeia, Kafra, em direção a Tiro, para poder enviar sua família de dez pessoas a Beirute para garantir sua segurança.
Agora ele queria voltar a sua aldeia abandonada, se necessário para morrer. Mas ninguém lhe dava uma carona. "Durante o bombardeio israelense de 1993 fiquei em casa e estava preparado para morrer ali mesmo", disse ele. "Por que devo abandonar minha casa agora? A casa da gente é um bom lugar para morrer".
Perguntei quem ele considerava culpado pela situação. Prematuramente envelhecido, com barba por fazer e boina branca na cabeça, Mera apontou o dedo para o ar. "O que você sabe, eu sei", disse. Não tive coragem de contar que os israelenses acabavam de bombardear os subúrbios do sul de Beirute -exatamente o suposto santuário para onde ele enviara a família.
(RF)

Tradução de Clara Allain

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