São Paulo, sábado, 13 de abril de 1996
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País chinfrim

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Até hoje, há portugueses que não apreciam o maior romancista de Portugal, um dos grandes escritores do século 19. Preferem Camilo Castelo Branco, Herculano, preferem qualquer um, menos Eça de Queiroz. Os motivos para tal desapreço escapam da área literária.
Afinal, quem chamou Portugal de país chinfrim não foi Herculano nem Camilo. Daí a acusação de falta de patriotismo feita ao autor de "O Mandarim". Contudo, são muitos os que aprendem a amar a Portugal por causa de Eça -e eu me incluo gostosamente entre esses muitos.
Não se precisa conhecer em detalhes a história portuguesa no final do século passado para se concordar com ele. O país tornou-se uma "choldra". O Portugal de Vasco da Gama e Camões, o Portugal de Magalhães e do Grande Infante tornou-se chinfrim.
O Brasil ainda não tem a dimensão histórica de Portugal. Ao aproximar-se do seu quinto centenário, continua um país vagamente do futuro. E enquanto o futuro não vem, o presente é exatamente como o Portugal do tempo de Eça: chinfrim.
Não é chinfrim o povo em si, nem o São José de azulejos, o cacho de uvas douradas, os dois braços à minha espera, o cheirinho de alecrim que formam a casa portuguesa, com certeza. Chinfrim era a classe política, o deputado, o ministro, o poeta bajulador, o conselheiro Acácio, o deslumbrado Dâmaso Salcêde, o carreirista Abranhos.
A paisagem moral e política do Brasil, nesses anos de neoliberalismo, é igualmente chinfrim. A reviravolta sobre a emenda da reeleição, depois da viagem de FHC à Argentina, é tão chinfrim que torna o chinfrim anterior um chinfrim menor.
Ao escrever sobre essa gente chinfrim, pouco a pouco vou me sentindo chinfrim também. Por isso mesmo, amanhã escreverei sobre o Grande Arquimandrita. Os leitores e eu próprio merecemos personagens e assuntos melhores.

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