São Paulo, sábado, 13 de abril de 1996
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Reforma agrária sem violência

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Violência, não. O que importa é respeitar os direitos humanos e dar a todos a condição de exercer os próprios deveres.
Nesses últimos decênios a questão agrária permanece sem adequada solução, apesar de algumas iniciativas parciais e bem-sucedidas. A terra até agora redistribuída é limitada e reduzido o número de famílias assentadas.
Não é de hoje a proposta de uma distribuição equitativa de terras, que permita aos trabalhadores rurais assegurar condições dignas de vida para suas famílias.
Supõe-se, é claro, que não basta a concessão de terras, mas requer-se um programa agrícola com apoio tecnológico, irrigação e comercialização dos produtos e serviços de saúde e educação.
A demora excessiva em agilizar o acesso à terra vem ainda favorecendo o êxodo rural e criando tensões desnecessárias nos grupos organizados de famílias à espera de assentamento.
O movimento dos sem-terra, nestas semanas, promoveu nas 21 capitais manifestações a favor da reforma agrária.
Em Minas Gerais, no dia 26 de março, 350 lavradores, homens e mulheres, partiram de Governador Valadares decididos a percorrer a pé 341 quilômetros até Belo Horizonte.
Bem-organizados e pacíficos, sem desanimar, caminharam durante duas semanas, com grande apoio popular. Em Ipatinga havia mais de 3.000 pessoas acompanhando os lavradores.
A proposta básica do movimento em Minas Gerais é a de que se apresse, quanto antes, o assentamento, garantindo pelo menos técnica, sementes e política de crédito para pequenos agricultores.
No entanto, um lamentável incidente marcou com brutal violência a última etapa da caminhada dos sem-terra. Com efeito, faltavam apenas 20 quilômetros para chegar à capital mineira, no trevo de Santa Luzia, da BR-262, quando o Batalhão de Choque da PM cercou o grupo de manifestantes.
Cumpriam mandato judicial de apreensão de ferramentas, consideradas armas brancas. Recusaram os trabalhadores a entregar as ferramentas, propondo, no entanto, depositá-las na Assembléia Legislativa ou na sede da CUT, a fim de não perderem seus instrumentos de trabalho. Os policiais, com cassetetes, resolveram, então, tomar à força as ferramentas.
Lançaram cães treinados sobre os sem-terra. Foi muito triste. Mordidas de cães, espancamentos na cabeça, 18 pessoas presas e vários feridos, sendo quatro com suspeitas de traumatismo craniano.
Por que essa violência? É preciso apurar a responsabilidade da agressão descabida e injusta. Que há de errado em se propor uma distribuição regional da terra que garanta às famílias de lavradores as condições de habitação e trabalho?
O movimento dos sem-terra passou por provações, mas recebeu, ao longo da caminhada, inúmeros gestos de solidariedade do povo.
Nós, brasileiros, ganhamos de Deus uma terra fértil e abundante, onde cada família de lavradores poderia ter o seu quinhão.
Qual é a vontade de Deus? Que nos falta para realizar, com sabedoria e competência, o acesso à terra em benefício de milhões de lavradores desamparados e irmãos nossos?

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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